segunda-feira, 15 de setembro de 2008

A POLÍTICA DO CANGURU

Na infância eu ia muito à casa dos meus avós por parte de madrasta. Ficava em Campo Grande, Zona Oeste do Rio, quilômetro 42 e pegávamos a viação Ponte Coberta para chegar lá. Em volta da casa havia campos de futebol, mais distante, olarias, fabricando tijolos fresquinhos e muitos escorpiões que capturávamos pelo rabo, mergulhávamos no álcool e viravam remédio para as feridas. Lembro que havia pelotões de pés de quiabos, verdinhos, onde pela manhã pousavam o sol, canários e coleirinhas e minhas esperanças de escritor.

De propósito deixei para dizer agora que nos fundos da casa dos meus avós fica o rio Guandu, onde pescávamos traíras, piabas e entre a casa e o Guandu havia muitos eucaliptos e um bom pedaço de mata. À tardinha o vento passando por entre as folhas dos eucaliptos parecia alguém fritando uma grande quantidade de batatas. Foi por entre essas folhagens que um dia vi um canguru. Alertei vovô e ele logo veio armado de um porrete de eucalipto, deixando-me muito triste, mas ainda bem que o canguru fugiu.

Qualquer pessoa sabe que canguru é com a Austrália, a Tasmânia, Nova Guiné e Ilhas Aru, porém, o Brasil é uma terra tão boa que é possível ganhar mais de quinhentas vezes na loteria! Às vezes até no mesmo dia. Ora, por que o espanto de um canguruzinho em Campo Grande?! Mas foi um espanto. A notícia correu. Todos ficaram de olho, mas ele nunca mais apareceu, ele não, ela, porque antes de chamar meu avô, fiquei olhando um tempo para ela, tentando desenhá-la, pois duas coisas me atraíam na infância: a pintura e as palavras. Isso me dividia e ora colocava a boina do meu pai e me sentia um Picasso, ora escrevia palavras desarrumadas e fazia pose de Mário Quintana ou Drummond.

Hoje como vocês podem ver, escolhi a escrita, porém, sempre tive o defeito de querer abraçar o mundo com as pernas e para não perder de tudo, tornei-me um escritor imagético em vez de jurídico.

Mas a certeza de que o canguru era fêmea veio do filhotinho na bolsa, vez por outra se escondendo para dar uma mamadinha. Naquele rápido encontro pude ver que mamãe canguru por diversas vezes o empurrava para fora da bolsa e o tocava para que fosse adiante como quem diz: Filho, chega de leitinho! Um canguru evolui do leite para as folhas e já é hora de você comer as folhas da grande literatura! Mas o bichinho em vez de pular para frente, saltava para trás, para dentro da bolsa e começava a mamar nervosamente. E como ficaram naquele lenga-lenga, ela empurrava para fora da bolsa e ele saltava para dentro da bolsa, fui chamar vovô.

Por esses dias os meios de comunicação divulgaram que muitos dos que têm o bolsa família e outras bolsas mais, estão se recusando a trabalhar de carteira assinada para não perder, obviamente, a bolsa.

Parece história de canguru, onde a Pátria Canguru empurra seus Cangurus para a carteira assinada, mas eles saltam para dentro da bolsa de novo e começam a mamar nervosamente. Assim a taxa de desemprego não cai nunca. Fica difícil dizer "Pra frente Brasil"; "Este é um país que vai pra frente"; "Pra cima deles, Brasil" se os nossos cangurus saltam para trás.

Se meu avô estivesse vivo diria que é safadeza desses tipos de cangurus e certamente apanharia o seu porrete de eucalipto e botaria todo mundo pra correr do bolsa, entretanto, prefiro ver isso como a Política do Canguru.

No fundo é sempre bom ter uns milhões de canguruzinhos dependentes, principalmente na hora da eleição: Vem, filho, tomar leitinho! De que adianta carteira assinada? Você não vai se aposentar mesmo!

crônica publicada em 02 de março de 2007, no jornal Hoje - Diário da Baixada Fluminense.

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