No tempo em que orelhão funcionava à ficha, apareceu na TVE o ministro da Educação, Maurílio Hegel, anunciando a abertura do Crédito Educativo e as inscrições poderiam ser feitas nas faculdades.
Dláucio Velas entrou na faculdade. Como ele, muitos se desfizeram dos bens de família, cama, fogão... Para suportar as mensalidades até o possível crédito. Vendeu, creiam, a cafeteira para inteirar...
No seu ouvido zumbia a voz da mãe de uma amiga: Seu maluco! Não vê que vende tudo e você, no máximo, só vai até ali e pronto? E o enrugado indicador da mulher, rígido como ferro, delimitava a pequena distância.
Mãe, deixa o menino tentar! Mas D. Leocádia insistiu:
- Que garantia você tem de que será contemplado com o crédito, rapaz? Você é vidente por acaso?
- E a senhora é vidente por acaso? Que garantia a senhora tem de que não serei contemplado?
Na faculdade de Direito foi uma alegria a notícia do crédito. Dláucio e a galera ficaram esperando a colocação dos cartazes nas vidraças da faculdade, mas o tempo foi passando e nada. Velha mania da última hora e quando fomos perguntar a secretária jogou um balde de água fria, dizendo que a faculdade não estava inscrita no Programa do Crédito Educativo. O Diretório Acadêmico confirmou.
A secretária acendeu um cigarro, nublando os olhos. A fumaça formava o sorridente rosto de D. Leocádia. A secretária voltou à burocracia. Ah, o olhar! Os olhos arregalados da secretária do Diretório Acadêmico, somados aos da secretária da faculdade me disseram algo. Todos desceram de elevador para embebedar a derrota no bar ao lado, menos Dláucio que preferiu a escadaria, pensando em ir ao MEC, verificar, mas àquela hora o expediente já estava encerrado e era o último dia de inscrição.
Importunar um juiz com um pedido de Liminar com uma suspeita no olhar... Onde estaria o “Fumus Bonis Iuris” (Fumaça de Bom Direito)? Embora nunca soubesse na vida de um mau direito. A única fumaça que eu tinha era a do cigarro da secretária. Naquele tempo a faculdade estava recebendo visita de alunos estrangeiros e conforme Dláucio descia, uma coisa estranha foi acontecendo.
Subindo passou por ele uma francesinha, loirinha, e lhe disse: “A corsaire, corsaire et demi”, mas ele não sabia francês. No andar seguinte, subindo uma inglesinha, loirinha, lhe disse: “To catch a thief, another thief”, mas ele não sabia inglês. De repente veio subindo uma brasileira loura, louro-passageiro, corpo cheio de curvas que dançava de degrau em degrau, parou cinco degraus acima e feito uma deusa, traduziu: “O que as outras loirinhas disseram é que “Para maluco, maluco e meio”. Pôs um beijo no indicador e soprou para ele e subindo, fez a curva. Toda cheirosa. Só nos cremes.
Quando Dláucio virou já era o fim da escada e deu de cara com o orelhão que tinha um ovo branco em cima, em pé, chamando a atenção. Ali tive a idéia maluca e meia de ser o Delegado do MEC, mas lá fora um homem de terno e bíblia na mão, gritava: “Ficarão de fora os cães, os feiticeiros, os adúlteros, os idólatras, e todo o que ama e pratica a mentira”. No mesmo instante desciam dois alunos que discutiam sobre o filósofo Immanuel Kant e um deles vociferava: Jamais mentir, seja qual for a circunstância!”, porém a morena-loura os expulsou e me olhando, cantou: “advogado que se preza não se espante, não é crente, nem lê Kant e seu meio a todo instante , justifica-o seu fim!”.
Juro, até queria ter, como Sócrates, um caminho reto, mas quando erguia os olhos via que a própria escadaria da Faculdade de Direito fazia curva... Arrematei: Deus escreve certo por linhas tortas mesmo! Ora, na Grécia com os gregos, em Roma com os romanos, no Brasil com os brasileiros, era questão de sobrevivência. E que mal há nas mentiras positivas, Desembargadores?
Usou a única ficha e ligou para a secretária da faculdade e com uma voz de bulldog, trovejou:
- Boa tarde! Aqui é o delegado do MEC e quero saber por que vocês ainda não afixaram os cartazes do Crédito Educativo?
E com voz reprimida, pediu a raposa:
- Por gentileza, o senhor poderia ligar daqui a uns dez minutinhos que eu vou descer para verificar no departamento?
- Está bem. Dez minutinhos. Trovejou de novo. Nem foi preciso. No térreo, logo apareceu a secretária, arrastando atrás de si uma cauda longa e felpuda de seis funcionários tão cúmplices quanto ela, e desesperados, abriam os pacotes e colando, colaram cartazes até nos banheiros.
Dláucio chamou o pessoal que estava no bar, fizeram as inscrições e 32 deles, Dláucio também, foram contemplados com o crédito. Mas o que os 31 contemplados nunca souberam é que do choque entre duas mentiras nasceu uma verdade.
E à noite, Dláucio Velas ficou pensando: não sou delegado do MEC, mas estou preparado para ser político e principalmente, advogado. Transformar o quadrado em redondo, retângulo, triângulo, acutângulo...
sexta-feira, 9 de maio de 2008
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