sexta-feira, 9 de maio de 2008

O DELEGADO DO MEC

No tempo em que orelhão funcionava à ficha, apareceu na TVE o ministro da Educação, Maurílio Hegel, anunciando a abertura do Crédito Educativo e as inscrições poderiam ser feitas nas faculdades.


Dláucio Velas entrou na faculdade. Como ele, muitos se desfizeram dos bens de família, cama, fogão... Para suportar as mensalidades até o possível crédito. Vendeu, creiam, a cafeteira para inteirar...


No seu ouvido zumbia a voz da mãe de uma amiga: Seu maluco! Não vê que vende tudo e você, no máximo, só vai até ali e pronto? E o enrugado indicador da mulher, rígido como ferro, delimitava a pequena distância.

Mãe, deixa o menino tentar! Mas D. Leocádia insistiu:


- Que garantia você tem de que será contemplado com o crédito, rapaz? Você é vidente por acaso?

- E a senhora é vidente por acaso? Que garantia a senhora tem de que não serei contemplado?


Na faculdade de Direito foi uma alegria a notícia do crédito. Dláucio e a galera ficaram esperando a colocação dos cartazes nas vidraças da faculdade, mas o tempo foi passando e nada. Velha mania da última hora e quando fomos perguntar a secretária jogou um balde de água fria, dizendo que a faculdade não estava inscrita no Programa do Crédito Educativo. O Diretório Acadêmico confirmou.

A secretária acendeu um cigarro, nublando os olhos. A fumaça formava o sorridente rosto de D. Leocádia. A secretária voltou à burocracia. Ah, o olhar! Os olhos arregalados da secretária do Diretório Acadêmico, somados aos da secretária da faculdade me disseram algo. Todos desceram de elevador para embebedar a derrota no bar ao lado, menos Dláucio que preferiu a escadaria, pensando em ir ao MEC, verificar, mas àquela hora o expediente já estava encerrado e era o último dia de inscrição.

Importunar um juiz com um pedido de Liminar com uma suspeita no olhar... Onde estaria o “Fumus Bonis Iuris” (Fumaça de Bom Direito)? Embora nunca soubesse na vida de um mau direito. A única fumaça que eu tinha era a do cigarro da secretária. Naquele tempo a faculdade estava recebendo visita de alunos estrangeiros e conforme Dláucio descia, uma coisa estranha foi acontecendo.

Subindo passou por ele uma francesinha, loirinha, e lhe disse: “A corsaire, corsaire et demi”, mas ele não sabia francês. No andar seguinte, subindo uma inglesinha, loirinha, lhe disse: “To catch a thief, another thief”, mas ele não sabia inglês. De repente veio subindo uma brasileira loura, louro-passageiro, corpo cheio de curvas que dançava de degrau em degrau, parou cinco degraus acima e feito uma deusa, traduziu: “O que as outras loirinhas disseram é que “Para maluco, maluco e meio”. Pôs um beijo no indicador e soprou para ele e subindo, fez a curva. Toda cheirosa. Só nos cremes.

Quando Dláucio virou já era o fim da escada e deu de cara com o orelhão que tinha um ovo branco em cima, em pé, chamando a atenção. Ali tive a idéia maluca e meia de ser o Delegado do MEC, mas lá fora um homem de terno e bíblia na mão, gritava: “Ficarão de fora os cães, os feiticeiros, os adúlteros, os idólatras, e todo o que ama e pratica a mentira”. No mesmo instante desciam dois alunos que discutiam sobre o filósofo Immanuel Kant e um deles vociferava: Jamais mentir, seja qual for a circunstância!”, porém a morena-loura os expulsou e me olhando, cantou: “advogado que se preza não se espante, não é crente, nem lê Kant e seu meio a todo instante , justifica-o seu fim!”.


Juro, até queria ter, como Sócrates, um caminho reto, mas quando erguia os olhos via que a própria escadaria da Faculdade de Direito fazia curva... Arrematei: Deus escreve certo por linhas tortas mesmo! Ora, na Grécia com os gregos, em Roma com os romanos, no Brasil com os brasileiros, era questão de sobrevivência. E que mal há nas mentiras positivas, Desembargadores?


Usou a única ficha e ligou para a secretária da faculdade e com uma voz de bulldog, trovejou:


- Boa tarde! Aqui é o delegado do MEC e quero saber por que vocês ainda não afixaram os cartazes do Crédito Educativo?



E com voz reprimida, pediu a raposa:


- Por gentileza, o senhor poderia ligar daqui a uns dez minutinhos que eu vou descer para verificar no departamento?


- Está bem. Dez minutinhos. Trovejou de novo. Nem foi preciso. No térreo, logo apareceu a secretária, arrastando atrás de si uma cauda longa e felpuda de seis funcionários tão cúmplices quanto ela, e desesperados, abriam os pacotes e colando, colaram cartazes até nos banheiros.



Dláucio chamou o pessoal que estava no bar, fizeram as inscrições e 32 deles, Dláucio também, foram contemplados com o crédito. Mas o que os 31 contemplados nunca souberam é que do choque entre duas mentiras nasceu uma verdade.


E à noite, Dláucio Velas ficou pensando: não sou delegado do MEC, mas estou preparado para ser político e principalmente, advogado. Transformar o quadrado em redondo, retângulo, triângulo, acutângulo...

AS MOEDAS DE 5 CENTAVOS

Tiradentes foi traído em vida e continua sendo traído em morte. Onde? Na pequena Vila Tiradentes de São João do Meriti.
Com o passar do tempo, certos feitos, tidos como grandes feitos, vão perdendo a sua grandiosidade. Seja de uma forma ou de outra. Hoje o feriado de Tiradentes já dá carona à Brasília e Tancredo Neves. Quem mais virá? Por favor, quando Lasana Lukata morrer, só declararei a sua morte no dia 21 de abril. Ele Também quer pegar carona.
Mas quem leu “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, vê que no capítulo XXI, o almocreve salva Brás Cubas de sérias contusões, quiçá a vida. Brás Cubas resolve lhe dar três das 5 moedas de ouro que tinha, mas no pequeno tempo de ir ao alforjes, viu ser a gratificação excessiva. Decidiu dar uma, mas acabou dando mesmo foi uma de prata e partiu. Enquanto se distanciava, concluiu ao perceber no bolso do colete moedas de cobre, que deveria ter dado os vinténs ao almocreve.
Tiradentes foi traído em vida por José Silvério dos Reis e vem sendo em morte por Brás Cubas. Quem lembra de um joguinho de capas de pano ou plástico que as mulheres vendiam antigamente de porta em porta? Era um joguinho de três peças que não era vendido separado. Vinha com uma capa para liquidificador, botijão e filtro. Pois São João de Meriti possuía o seu joguinho, não de pano, nem de plástico, mas um joguinho histórico: Grupo Escolar Tiradentes, minha primeira escola; o bairro Vila Tiradentes e a Estrada de Minas.
Mas apareceu um Brás Cubas por aqui também e começou a avaliar que o sacrifício de Tiradentes não foi lá grande coisa, não merecendo moedas de ouro e o G. E. Tiradentes deixou de ter esse nome e passou ser chamado de Alzira dos Santos Silva. Depois veio outro Brás Cubas e viu que não era nada mesmo o feito do Joaquim da Silva Xavier, então para quê moeda de prata? Trocou o nome da Estrada de Minas para Avenida Getúlio de Moura e só ficou o solitário nome de Bairro Vila Tiradentes, no valor de uns vinténs de cobre.
Havia forma e poesia em Grupo Escolar Tiradentes, Vila Tiradentes, Estrada de Minas, mas que forma há em Vila Tiradentes e Getúlio de Moura? Vila Tiradentes e Alzira dos Santos Silva? Meus respeitos às mulheres, mas não combina!
A Política precisa saber que as palavras não estão soltas no ar por mais distantes que estejam geograficamente. Poeticamente estão combinas como as Três Marias. Nossos índios não nomearam em vão: Itinga, Tinguá e Tanguá; Turiaçu, Iguaçu, Cabuçu; Icaraí, Andaraí, Bracuí. Quem tem ouvidos ouça!
No entanto um político surdo trocou Itinga por Éden, deformando o joguinho, Itinga, Tinguá e Tanguá. Só pode ser um Brás Cubas!
Menos mal a coisa estar apenas na terra, mas a qualquer instante se desloca para o céu, se aparecer um vereador-astrônomo ou deputado lunático ou medida-provisória-voadora para mudar o nome das Três Marias para Duas Marias e Izildinha, porque a mãe dele se chama Izildinha. E aberta a porta da vaidade celeste, pode vir um segundo e trocar Duas Marias e Izildinha para Uma Maria, Izildinha e Aline, porque a amante se chama Aline.
Tiradentes na minha infância era nota de 5000 (Cinco mil cruzeiros); veio um Brás Cubas e o jogou para 5 cruzeiros novos; depois veio outro Brás Cubas e Tiradentes, o Mártir da Independência, é hoje moedinhas de 5 centavos perto dos bueiros do bairro onde nasci. Confesso, não entendo o mundo das moedas: Tiradentes é moedinha de 5 e D. Pedro I de 10 centavos. Quem dá a vida, vale menos.

Passageiros, bancos e varizes...

Há muitos mistérios nesse mundo. Abrindo o jornal dei com mais este: “balões são achados; padre, não”. Dizia a notícia que os balões foram encontrados em mar aberto. E que mistério é esse? No final do ano passado os bancos estavam rotundos como os balões do padre, comemoravam na mídia os recordes, os lucros e de repente: Vento. Quebradeira dos bancos. Que sucesso é esse, mal sai do berço, ingressa na sepultura? Temos que fazer exumação de cadáver. E que a perícia não seja palha. Outro efeito dominó?! Não sei. Alguém já foi a enterro de banco? É uma tristeza regada a champanhe francês e caviar. A ressurreição é melhor ainda. Vem o deus Governo e lhe dá todo o poder no céu e na terra.

Mas que mundo: some criança, some mulher, some sucesso, some dinheiro público... E quando some dinheiro público, acham-se os balões de festa, aquele que fez a festa, mas com o dinheiro, na maioria das vezes, acontece o que aconteceu ao padre. E temos Força Aérea, Marinha, Bombeiros... Por falar nessas forças, também desejo que elas me auxiliem na busca daquelas plaquinhas dos itinerários. Sumiram dos ônibus. Ficavam no alto, perto do teto. Na infância, anos 70, eu treinava leitura nelas. Gostaria de saber se elas caíram em mar aberto ou mar do esquecimento ou no mar da Má-fé, porque os motoristas de hoje não obedecem ao itinerário. Passageiro embarca achando que o ônibus vai, exemplo, pelas ruas Fulano e Beltrano e quando vê, ele entra na rua Sicrano:

- É ordem do despachante! É ordem da empresa! Vai reclamar com o papa da empresa.

Tudo é festa. Soltem os balões! Despachante e empresa mandam mais que passageiro. Será que a empresa sabe disso?! Se sabe, já não é só concessionária, é um Poder e não mais atrás, mas adiante do trono. Se sabe, governos sob cordelinhos é passado. A luta agora é franca. Guarda baixa. Abaixo a técnica. É a Concessionariocracia.

Assim acontece aos passageiros o que aconteceu ao padre: somem. Vão parar na concorrência. Transportes piratas. E os piratas do momento evoluíram, a coisa se alastrou e além da perna eles têm a cara-de-pau.
Não entendo essa de enfrentar a concorrência aumentando as passagens. Dono de empresa de ônibus não estuda filosofia, nem lógica, senão descobriria que seus argumentos de aumentar para compensar a perda dos passageiros é uma falácia, raciocínio incorreto. Ora, não é certo que se abaixarem os preços das passagens, sem tirar o ar condicionado e desobedecer ao itinerário, os passageiros não voltam correndo? E não há japonês que impeça: Passageiros, bancos e varizes sempre voltam.

Pobre concorrência! É a mais espancada das mulheres. Tempos atrás, século passado, na porta do Banco do Brasil fazia-se uma fila enorme, encaracolável, para o pessoal da prefeitura receber na “Boca do Caixa”. Uma amiga que já havia recebido o pagamento teve idéia de aumentar a remuneração, aparecendo minutos depois, oferecendo água mineral a preço menor do que os vendedores antigos. Seu pregão: “água boa e barata” viveu 40 segundos e recebeu certidão de óbito. Aos gritos de pega, pega, só deu tempo de ver a concorrência sumindo na esquina, sem chinelos e água mineral.

Ah, os bondes! Eu sei, até os bondes saíam dos trilhos, mas não muito. Só o de Nilópolis saía sempre porque o burrinho era de circo e burro de circo é para levar e trazer alegria em vez de transportar carrancas para o trabalho. Não creio que as empresas andem contratando burrinhos de circo. Circo de Fórmula 1.

Mas seria a crônica leviana se dissesse: todos os motoristas desobedecem ao itinerário. Alguns são democráticos e num breve plebiscito sobre rodas consultam os passageiros: alguém vai ficar na Praça do Skate? Se todos dizem não, eles cortam caminho, indo pelo viaduto, direto para a Rodoviária da Pavuna a fim de ganhar tempo; alguém vai ficar no Parque Colúmbia? Se um diz sim, esse único voto prevalece sobre a maioria.
E talvez um motorista esteja dizendo: este cronista só pode ser cego. Não vê que as tais plaquinhas apenas mudaram de lugar? Saíram de perto do teto e foram para a frente dos ônibus? Quem faz sinal logo vê o itinerário.

- Sim, motorista. Mas nas plaquinhas da minha infância os itinerários eram de ruas, os de hoje são de bairros. Um bairro tem muitas ruas.

E talvez você esteja replicando, motorista. Você dos descaminhos: Mas da Rodoviária da Pavuna à Praça do Skate é pertinho! Uns 500 metros !

- Sim. É perto, mas para mulher de 80 anos, aposentada, que ainda lava e passa para fora e arrasta bolsas de roupa por aí; para um homem de 60 anos que, recentemente, perdeu a perna para a diabete e precisa ir sempre à perícia para revalidar o modesto benefício da invalidez; um homem que via suas duas pernas diante do espelho e agora bate muletas sobre asfalto torto e esburacado, esse perto fica longe, muito longe.

Quando você fala desse jeito, motorista, entristece porque ao meu amigo falta uma das pernas para andar, mas a você faltam as duas pernas do cérebro. E carrego esse misto de compaixão e terror por ser você também um explorado, escravo do “Tempo de Viagem” e por qualquer coisinha lhe arrancam uma perna do salário. E aqui faço a minha palinódia, porque não lhe faltam as duas pernas do cérebro. Teu cérebro tem pernas de mais. Pra quê tanta perna meu Deus! Teu cérebro é um polvo. O que lhe falta, motorista, são as pernas do sentimento.
Não. Não desejo nunca, motorista, que você fique diabético, perca uma das pernas e tenha que dirigir muletas para voltar a sentir e compreender essas distâncias.

Para a matemática sempre serão uns 500 metros, uns 5 minutos, mas para a vida podem ser mil anos.