quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Camilla pergunta: Segundona ou Segundinha?

jovem torcedora do Fluminense escreve, perguntando se é Segundona ou Segundinha? Dizendo não ter entendido bem na crônica anterior a minha história de Segundona e Segundinha. Sentiu-se ofendida.

Para boa entendedora meia história basta, mas em se tratando de uma jovem moribunda, digo, oriunda da aprovação automática, passo a repetir o assunto, colocando-o em destaque.
Primeiro não quis ofender o Fluminense, já torci por esse time quando era pequeno, mas, ainda que remota, havia a possibilidade de rebaixamento, agora não mais !

Mas Domingo trasado, 23/11, me chamou a atenção o jornal O Dia Baixada, a matéria esportiva dizendo, “Caxias rumo à Segundona”, em relação ao time do Duque de Caxias e na segunda-feira trasada, 24/11, o jornal Expresso trazendo em sua capa “... Alô, Alô Segundona”, em relação ao Vasco e o Jornal do Brasil nesse domingo, 30/11, trouxe em sua manchete: “Vasco diante do maior pesadelo. Time pode ir hoje para a Segundona”.

No futebol há outras divisões, mas as mais faladas são 3ª, 2ª e 1ª. Em ordem crescente. Fala-se então na gíria esportiva em Primeirona, Segundona...

A meu ver, assistiu razão ao jornalista do Jornal O Dia Baixada quando disse: “Caxias rumo à Segundona”, mas não assistiu razão aos dos jornais Expresso e Brasil quando disseram, “Alô, Alô Segundona” ou “Time pode ir hoje para a Segundona”, em relação ao Vasco.

Eis uma questão de ponto de vista: dois são os graus do substantivo, aumentativo e diminutivo. O aumentativo e diminutivo podem ser analíticos e sintéticos. O aumentativo sintético “Segundona” formou-se com o auxílio do sufixo ONA como em mulherona. O seu diminutivo sintético correspondente seria “Segundinha”, sufixo INHA como em filhinha.

Para o time do Duque de Caxias-RJ, Campinense-PB e Guarani-SP que estavam na Terceira Divisão, de fato, rumavam para a Segundona, estavam ascendendo, subindo, mas para o Vasco, Ipatinga, Portuguesa, Atlético-PR com risco de rebaixamento, cair da 1ª para a 2ª Divisão é “Segundinha”. Poderia seria ser que os jornalistas do Expresso e Brasil estivessem sendo irônicos, mas seria uma ironia limitada, pobre, a ironia retórica, romana. Essa história de dizer o contrário do que se está pensando. Há pessoas que pensam ser a ironia apenas isso. Não é.
Mas veja Camilla que a mesma Segunda Divisão (ou Segundona) pode ser ao mesmo tempo alegria para uns e tristeza para outros. Pode ser Segundona e Segundinha. Boa e má. Para quem sai da 3ª é alegria, para quem vem da 1ª, tristeza.

Por exemplo, do ponto de vista do Duque de Caxias é Segundona; do ponto de vista do Vasco é Segundinha. E para quem não gosta de futebol será sempre “Segundinha”; para certas igrejas depende da oferta: se a oferta for boa é “Segundona”, se for pequena é “Segundinha” e ainda vão orar, amaldiçoando para o time cair para a Terceirinha.

Camilla, minha filha, espero dessa crônica em diante você possa perceber os pontos de vista. A vida está cheia. Para reforçar conto esse fato ocorrido na Marinha do Brasil pelos anos 80:
Dois marinheiros, um catarinense, serviam na 1ª Divisão. Um foi agraciado pelo 1º tenente encarregado da Divisão com um posto superior de Cabo e o dinheiro dos atrasados deu para comprar a casa própria; o marinheiro catarinense - só porque tinha o rosto cheio de bexigas, em virtude da varíola, foi perseguido e mandando embora “a bem da disciplina”. O 1º tenente dizia que dava nervoso olhar para ele; que o marinheiro era muito feio, mas era um ótimo soldado, tratava a todos com urbanidade, não tinha como mandá-lo embora. E veio o plano subterrâneo. O mesmo tenente que deu a casa a um, arquitetou este plano: ordenou ao 2º tenente que perseguisse o catarinense até que ele se irritasse. Camilla, O 1º tenente queria provar que o marinheiro catarinense tinha varíola no coração. Que era um rebelde para ter motivos de o expulsar da Marinha. O 2º tenente foi perfeito. Tanta foi a perseguição, por coisas nem acontecidas, que o manso catarinense, sem entender a armadilha, e se o avisássemos iríamos juntos com ele para a rua, agiu conforme o esperado. Agrediu o 2º tenente. Varíola no coração! Não pode ficar na Marinha.

Veja Camilla, para o marinheiro que comprou a casa, o 1º tenente foi muito bom, um anjo, mas para o marinheiro catarinense esse mesmo 1º tenente foi o diabo. Deixo aqui o meu abraço de primeirona, desejando mesa de Natal de primeirona para você e todos os tricolores em festa. Afinal, fui tricolor de coração.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

A CRÔNICA DO BARBOSA

Há pessoas cujas vidas mudam quando ganham na Mega-Sena; aceitam Cristo como salvador ou roubam um carro-forte e logo em seguida aceitam Cristo como salvador. Nesse último caso, mudam inclusive as vidas de alguns pastores que mudaram tanto nesses últimos tempos, que já aceitam como ofertas e dízimos, cordeiros mancos, aleijados, caolhos. Malaquias é um livro fora de moda.

A minha vida mudou por causa do Barbosa. Acontecimento da minha infância na Vila Tiradentes. Sim... Acho que foi por causa do Barbosa. É tanta a distância... Sempre pesou sobre mim a acusação de querer ser diferente nos cabelos, quando os tinha; nos tênis, nas idéias. Mãe, pai, madrasta, primos, todos me acusavam e eu ficava pelos cantos, por conta da autofagia, isto é, o diferente sempre é eliminado, já se sabe: Dionísio e Cristo foram eliminados. Graças a Deus não tenho mais esse problema. Aderi e veio a metamorfose. Estou perfeitamente integrado. Hoje sou chamado de imitador de Carlos Drummond de Andrade; de escrever à moda de Montaigne; plagiatário de Machado de Assis. E não é só Machado, não. No salmo 68:6 está escrito que Deus faz que o solitário viva em família. Tenho família, mas sou como Cristo: não tenho família real; minha família é ficcional. Sou uma existência com raiz.

Mas a mudança começou na sala de aula quando a professora perguntou:

- Quem foi o mártir da dependência do Brasil...

- Delfim Neto. Todos acertaram.

- E quem foi o mártir da Independência?!

Todos disseram Tiradentes, menos eu, que saí com um Barbosa. A professora caminhou em minha direção repetindo a pergunta com as palavras lhe arranhando a garganta, auxiliadas por uns olhos esbugalhando em círculos concêntricos e eu confirmando, Barbosa! Barbosa! Barbosa! Toda mãe começa assim para mostrar aos seus filhos que não estão gostando de uma determinada coisa. Primeiro elas usam as palavras arranhando na garganta, auxiliadas pelos olhos arregalados. Parecem que vão saltar das órbitas. Depois, com o tempo, basta um arregalar de olhos. É muito das mulheres conversarem pelos os olhos. Madrasta, pra quê esses olhos tão grandes?! Diminua esses olhos! Você fica horrível, Loba má!

Diante da teimosia, mandou chamar meus pais que já chegaram batendo lá mesmo no Grupo Escolar. Grupo Escolar... Quanto tempo! Fala direito menino! E eu: Barbosa! Pedro negou Cristo, mas eu não nego o Barbosa. Eu parecia um Pedro convertido, apanhando por causa do nome de Jesus. Quanto mais batiam, mais eu falava Barbosa. Ah esse pai da Taninha! Tive aos 7 anos um interrogatório de Ditadura. Pelado, no frio, luz na cara e apanhando e não apareceu nenhum Gamaliel para dar um parecer e me salvar. Toma Diabo! Se o filho é diabo, o pai então... Fui levado a uma rezadeira, mas o Barbosa resistiu a todas as rezas. Mudaram o método. Essa coisa de usar o corpo alheio é muito cômoda, deram uma surra de espada de São Jorge no Barbosa, mas quem acabou roxo fui eu. Levaram-me a uma Assembléia de Deus, mas o demônio Barbosa não saiu. Quem foi o mártir da Independência, demônio?! Barbosa, já disse, pastor analfabeto! Parece que não estudou! Isso aí não é um demônio só, não, irmãos! Isso é uma casta. É a casta dos Barbosas! Isso é uma legião barbosense, uma legião romana tinha uns 6 mil soldados, podem contar que tem uns 6 mil Barbosas aí dentro desse garoto e só sai com jejum e oração e uma boa oferta de no mínimo 200. Menos essa legião não sai! Se vierem com 199,99 a legião não sai. A benção é de 200 para cima. Aceitamos cheque.

Meu caso de Barbosa foi parar na rádio e a astróloga Zora Yonara respondeu, no ar, a cartinha da madrasta, escrita por mão de vizinhos: Madrasta Desesperada de Vila Tiradentes, o caso do seu enteado é grave. Talvez ele esteja confundindo. De fato existiu no tempo de Tiradentes, um Barbosa, Domingos Vidal de Barbosa que teve a pena de morte comutada em degredo perpétuo, em 1792, na ilha de Santiago, na África. Você diz em sua carta que seu enteado é do signo de peixes, mas esse não é o problema. Possivelmente a questão está no ascendente em touro, que só deveria começar a atuar nesse menino, depois dos trinta, mas são coisas dos planetas. Os taurinos são assim, teimosos, mesmo sabendo que estão errados. Quer um conselho de amiga? Comece a dizer pela Vila que seu enteado é poeta e logo, logo o povo vai compreender e acostumar com o Barbosa, pois de médico, poeta e louco quem não tem um pouco? Beijos querida! E sucesso com o seu enteado!

Por orientação da professora, meus pais me proibiram de ouvir a Zora e ver até o programa do Chacrinha, o Abelardo Barbosa. E só agora vejo, foram duas maldades boas na minha vida.

Esse tipo de conversa costuma ir longe: Agora vê! Que menino burro! Dizer que o mártir da Independência foi esse tal de Barbosa! Chegou a São Paulo. Mas a conversa primeiro passou pela prefeitura da cidade e logo apareceu lá em casa um homem de olhos arregalados, chamado Barbosa, um sujeito barbono, parecendo o Adamastor de Camões, implorando ao meu pai que me fizesse calar a boca. Era um Barbosa que estava dando a independência a todos os que não tinham casa própria no morro da Caixa D’Água. Fazia um serviço de mártir, sofrendo para inserir os nomes dos novos independentes no lugar dos nomes dos antigos e verdadeiros proprietários a preços módicos. Houve festa da Independência no morro com todo mundo exibindo seus nomes nos carnês de impostos. Cogitaram de mudar o nome de morro da Caixa D’água para morro do Barbosa. Só hoje tendo conhecimento da Ciência Jurídica é que descobri... Ninguém se tornou independente coisa nenhuma. O que o Barbosa falava sobre independência eram barboseiras, isto é, baboseiras específicas do Barbosa. Respeitem seus direitos autorais. Só o nosso nome no RI (Registro de Imóveis) é que proclama a independência de um imóvel. Nome no carnê da prefeitura não dá propriedade a ninguém, daí os olhos arregalados daquele Barbosa. Cadê o pai da Taninha?!

A conversa chegou a São Paulo, cidade de Barbosa. Provavelmente caminhoneiros. De lá veio um convite em meu nome para que eu fosse receber o Título de Cidadão Barbosense, indicado pelo sugestivo vereador Barbosa. Meu pai e minha madrasta cada um de um lado me levaram até os correios suspenso pelas orelhas e aquela gostosa sensação de estar voando que toda a criança tem, ficou prejudicada pela sensação de dor nas orelhas.

Das duas orelhas a que mais doeu foi a que viajou nas unhas da madrasta. Tinha a mão lisa, cheirosa, cremosa e, no entanto, foi a que mais feriu. Acho que esperei demais da madrasta. Uma grande substituta para a mãe. Fez pior. Acho que esperei demais das mulheres. Não tive sorte com as orelhas. A mãe me pegava pela orelha; a madrasta idem e com as unhas; a amiga sangrou a orelha da amizade; a mulher que amei cravava as unhas na orelha do meu coração. E quase fiquei surdo para o amor. Para todos os amores. Vários psicólogos vieram tentando me salvar por um preço que um inglês diria: is a steal! Mas o que me salvou mesmo foi o meu velho cotonete da Johnson & Johnson por apenas R$1,75.

Nos correios me fizeram escrever que eu não iria a Barbosa receber porcaria de Título nenhum. Se ao menos fosse um título de capitalização! Resmungos da madrasta. Mas como meu pai e madrasta não sabiam ler, escrevi educadamente que não poderia ir a Barbosa receber o Título de Cidadão Barbosense porque não tinha barba; e minha família toda havia morrido num naufrágio de barca, na verdade foram devorados por um cardume de piranhas argentinas que vieram a turismo passar o verão na Baía de Guanabara. Perdi toda a família, ó Fluxível Excelentíssimo Barbosa! Não tenho um responsável sequer. Os responsáveis por mim agora são Machado de Assis, Voltaire, Fielding, Sterne, Rabelais, Luciano. Eis a minha família que o pai da Taninha me deu de presente de aniversário. Ih, Taninha! Teu pai não dá presente de aniversário, não! Ele dá livros! Deus faz que o solitário viva em família! É pena que uma família de mortos não tenha capacidade civil para autorizar a minha ida para Barbosa! Muito embora aqui na cidade um amigo seu de profissão, político, ex-prefeito, vereador Stélio Natário dos Santos conseguiu com que certa morta assinasse a escritura de compra e venda de um imóvel para ele. Eu pensava que só Cristo tinha o poder de ressuscitar os mortos, mas vejo que os políticos também têm esse Dom, infelizmente rejeitado pelo artigo 297 do Código Penal.

Até que enfim chegou o pai da Taninha com aqueles óculos negros e lentes grossas. Marinheiro. De guerra. Estudioso. Ele nos mostrou de novo, no livro, a Crônica do Machado de Assis, de 22 de maio de 1892, onde bem claro Tiradentes, que morreu velhinho ganhando pensão da coroa portuguesa, é rebatizado de Barbosa por D. João VI. Levamos para a professora que rápido nos tirou de sala de aula, pediu não contássemos a ninguém e ficou o ano inteiro pagando refrigerante e pão com mortadela para Taninha e eu.

Não sou oficial de justiça, serei escritor - nem que seja por usucapião - por isso o referido não é verdade e nem dou fé.

Ouriço-Cacheiro: em Legítima Defesa

Mal chegou novembro e os shoppings já estavam enfeitados para se comemorar o nascimento do Príncipe da Paz. Paz... Nessa época, não é tradicional branco que prevalece. A nossa Paz enfeitada com uma coroa de espinhos é vermelha.

Ô novembro espinhoso. Do púlpito de uma igreja, um pastor me enfeitou com uma coroa de espinhos me chamando de ouriço-cacheiro. Um dos membros, amigo meu e ingênuo, foi perguntar por que ouriço-cacheiro e a resposta foi óbvia e aguda: - Porque larga espinho pra tudo o que é lado! Hoje, não vou garantir que a crônica fique curtinha, do tamanho de um ouriço-cacheiro, porque como disse antes, ô novembro espinhoso. Pra tudo quanto é lado, pastor? Por Cristo, não sabia disso! Que eu era universal! Obrigado! Chamar-me de ouriço-cacheiro é um elogio, é gozar gozo celestial já aqui na terra. O ouriço-cacheiro é um bichinho, manso, dócil. A rosa não tem espinhos?! Os espinhos desse ouriço não saem atrás de ninguém para atacar, são guardiões, defendem. É sempre uma resposta ao seu inimigo, a raposa. Quantas raposas enfeitadas de pastores! A crônica também tem espinhos.

Mas passemos do espinho na carne para o espinho na Terra. Vejam que os espinhos estão ficando cada vez maiores e mais modernos. Até os espinhos passam por mutações: agora são mísseis. Chegou ao Brasil o presidente russo Dmitri Medvedev. A Rússia promete enfeitar Kaliningrado com mísseis caso os EUA continuem com a idéia de enfeitar a Polônia e a República Checa com seus poderosos espinhos. Foi-se o tempo em que cercavam as propriedades com espinhos de laranja-da-terra a fim de evitar um cão salteador, um ladrão de galinhas... Agora é preciso impedir um país inteiro e só com espinhos gigantes.

Se o perigo de agressão é iminente e os EUA alegam legítima defesa em relação ao Irã e à Coréia do Norte, igualmente a Rússia alega legítima defesa em relação aos EUA. Nunca se sabe. A tentação é grande. Dizem por aqui, camarão que dorme a água leva. Pelo jeito os camarões da Rússia estão com os olhos bem arregalados para as águas dos EUA. Vladimir Putin está simples como as pombas, prudente como as serpentes. Ele é a Serpente de Cristo, o Argos da Rússia; cem olhos acesos, observando, e com protetor auricular para não ouvir a flauta de Mercúrio e adormecer, levar um míssil na cabeça e depois como é moda da bala perdida, os EUA alegarem que foi míssil perdido. Minha avó costumava dizer, rato velho vira morcego. Talvez Vladimir Putin tenha ouvido muito da sua avó KGB, essa historinha de que rato velho vira morcego. Logo Vladimir teme que os EUA, aparecendo na Europa feito manso ouriço-cacheiro, espinhento apenas para se defender do Irã e Coréia do Norte, se tornem uma raposa felpuda. É possível. Notem que nesse novembro o Paraguai está acusando o manso Brasil de ter invadido com o nosso Exército, 30 metros do território deles. Não... Não somos raposas, creio, mas se encontrares uma raposa morta na estrada arranca-lhe sete dentes sem anestesia, antes de levá-la para casa. Não... Não somos raposas, creio, mas num instante e os EUA vão parecer por aqui a oferecer mísseis para enfeitar um e outro lado. Por eles a Terra seria uma enfurecida fêmea de ouriço-cacheiro. Esqueceram dos mísseis americanos junto à Turquia? Legítima defesa em Cuba! 1960.

Mas do espinho da terra avisto um espinho no mar e não é de arraia nem de baiacu, é da Marinha: a Marinha dos EUA voltaram a usar os sonares em exercícios militares com a permissão da Suprema Corte. Pobres golfinhos e baleias. Como são perturbados. Os ambientalistas saíram em defesa deles, mas foram derrotados pelos interesses da defesa nacional.

Estou falando em legítima defesa e até agora não disse o que é. É a defesa necessária utilizada contra agressão injusta, atual ou iminente, contra direito próprio ou de terceiro com uso moderado, proporcional à agressão injusta.
De terceiro... Hummm! Já estamos na época de jaca. As jaqueiras estão enfeitadas de jacas. As jacas estão enfeitando as feiras. Aqui sai o cronista em legítima defesa de terceiro. Dos terceiros que passam pelas calçadas do Campo de Santana, no centro do Rio, com um risco iminente de uma jacada. Mais ou menos em dezembro de 2005, uma espinhenta jaca desceu do alto de uns 9 metros , ali em frente ao Corpo de Bombeiros, e atacou uma jovem de 40 anos que foi parar no Souza Aguiar. Depois do ataque é que apareceu o pessoal da “Parques e Jardins” para arrancar as espinhosas agressoras. Agora o ataque iminente é pelo lado do hospital Souza Aguiar. Cadê a Parques e Jardins”? As Jacas estão lá. Bem no alto. Hitler foi e não voltou, Napoleão foi e não voltou, mas as jacas voltam. Umas pesando uns 8 quilos. Se cair sobre um garotinho de uns oito anos não sei não... Ainda mais com a aceleração da gravidade. Cadê a Parques e Jardins? Será que teremos que abrir um concurso para Fiscal de Jacas? Com salários de 8 a 12 mil? Passou pela minha cabeça agora que a Natureza aos poucos vai se vingando de um ou outro homem com uma jaca, uma mordida, um espinho, água, fogo... E já não seria caso de vingança, mas legítima defesa.

Termino a crônica fazendo jus ao nome que me deram, ouriço-cacheiro, espetando alguém, porque domingo lendo o jornal O Dia Baixada, a matéria esportiva dizia, “Caxias rumo à Segundona”. Na segunda-feira o jornal Expresso trazia em sua capa “... Alô, Alô Segundona”, em relação ao Vasco. No futebol há outras divisões, mas as mais faladas são 3ª, 2ª e 1ª. Em ordem crescente. Assiste razão ao jornalista do Jornal O Dia Baixada quando diz: “Caxias rumo à Segundona”, mas não assiste razão ao do jornal Expresso quando diz, “Alô, Alô Segundona”, em relação ao Vasco. Eis uma questão de ponto de vista: dois são os graus do substantivo, aumentativo e diminutivo. O aumentativo e diminutivo podem ser analíticos e sintéticos. O aumentativo sintético “Segundona” formou-se com o auxílio do sufixo ONA como em mulherona. O seu diminutivo sintético correspondente seria “Segundinha”, sufixo INHA como em filhinha. Para o time do Duque de Caxias-RJ, Campinense-PB e Guarani-SP que estavam na Terceira Divisão, de fato, rumavam para a Segundona, mas para o Vasco, Fluminense, Ipatinga, Náutico, Figueirense e outros com risco de rebaixamento é “Segundinha”. Para quem não gosta de futebol será sempre “Segundinha”; para certas igrejas depende da oferta: se a oferta for boa é “Segundona”, se for pequena é “Segundinha” e ainda vão orar, amaldiçoando para cair para a Terceirinha. Se julgarem injusta a observação que saiam em legítima defesa do espetado...

Saio para beber meu chazinho de espinheira santa. Espinheira santa! Que nome contraditório! Não, não. Tudo bem que a Terra é maldita com espinhos e abrolhos por causa de Adão; mas foi bom para o Apóstolo Paulo um espinho na carne para que não se ensoberbecesse; os caprinos e camelos adoram comer a sanguissoba espinhosa; muitas janelas de apartamentos obtêm ótimos resultados em legítima defesa contra os pichadores, enfeitadas com cactos Orelha de Mickey perto delas. E nesse Natal de crise, desejo a todos uma feliz Legítima Defesa que o Estado não está nem aí!

O ouriço-cacheiro se atacado enrola-se numa bola; bola de espinhos: mata no peito, pastor! Em cima do coração.

domingo, 2 de novembro de 2008

Se o fotógrafo é fiel...


Dizem que a fotografia reproduz o real da forma mais exata possível; possível porque entre a lente e a forma há um rabo de palha... Machado de Assis viu com bons olhos a chegada da gravura aos jornais em 26 de maio de 1895. Reconheceu que as palavras não davam conta de tudo, bem ao contrário da idéia absoluta de hoje que diz: imagem é tudo. Absoluta?

Entanto, em 13 de janeiro de 1901, Olavo Bilac, substituindo Machado cronista, não viu com bons olhos essa chegada, porque chegaram demais, e desenhistas, caricaturistas, ilustradores já estavam tomando os espaços dos jornais. Ninguém estava ligando para a leitura. Eram gravuras e gravuras, fotografias e meia dúzia de palavras. Pobres cronistas! Essa ameaça estava presente no seu tempo, mas hoje há espaço para gregos, troianos, espartanos, tebanos, persas, todos.

Existiu um tempo em que Joana, Maria Betânia, Gal Costa, Elba Ramalho brilharam ao mesmo tempo e não houve problemas entre elas; mas Tom Zé e o saudoso Torquato Neto, quando se perceberam numa disputa de espaço, confessou o próprio Zé, não souberam administrar essa disputa e cada um foi para um lado. Vejam que para uns a vida, para cima, é um jardim de exuberantes flores para os olhos; para baixo, uma intensa batalha de raízes. Batalha travada até no mundo dos espíritos, no corpo de uma colega, disputavam espaço Maria Molambo e Exu Caveira. Ora a colega era homem, ora, mulher que dizia: seu filho da... Eu cheguei nesse corpo primeiro. Ri e Exu Caveira puxou o olhar e resmungou: moço, isso não é brincadeira, é uma Batalha! E continuou o combate. Já na província dos gadarenos, um homem andava com uma legião no corpo – a legião romana tinha uns 6 mil soldados – e todos estávamos muito bem. O malvado Cristo é que veio lá da outra banda do rio só pra perturbar a gente. Vivíamos em paz. Tínhamos até criado naquele corpo, a exemplo das legiões romanas, um sistema de rodízio para a chefia. Cristo veio e estragou tudo. Malvado Cristo! Quer tudo para Ele. Dá pra gente quando muito, uma metátese: corpos de porcos! E provisoriamente. Eis aqui a gênese do MSC (Movimento dos Sem Corpos). Entre os deuses gregos quem mais perdeu nas disputas de espaço foi Netuno. Assim como o Estado perdeu o Rio de Janeiro para o Tráfico, Netuno perdeu Corinto para o Sol; Delfos para Apolo; Argos para Juno; Egina para Júpiter; Naxos para Bacos; Atenas e Trezena para Minerva. Os deuses têm as suas decepções. Cristo perdeu para César. Não temos outro rei senão César! Perdeu até para Barrabás. Barrabás! Barrabás! Jerusalém, Jerusalém! Quantas vezes quis vos ajuntar como uma galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas...

Mas não foi a disputa de espaço que me chamou a atenção na crônica de Bilac. A perplexidade veio dessa fala: “as palavras são traidoras e a fotografia é fiel. A pena nem sempre é ajudada pela inteligência; ao passo que a máquina fotográfica funciona sempre sob a égide da soberana verdade...”. Não é verdade. Rabo de palha. Havia numa Assembléia de Deus um pastor que vivia ameaçando do púlpito. Quem tem rabo de palha cuidado comigo, porque eu piso, risco um fósforo e toco fogo! E ria! Como ria! E a igreja ria da parte A da fala dele, porém, agradava-me mais a parte B. E se eu tiver rabo de palha, podem pisar e tocar fogo! Cláudio jamais faria isso, mas eu, Lukata... Descobri logo quatro rabos de palha no pastor, pisei e toquei fogo! Rabos dos grandes. Saímos tocados da igreja, mas ele nunca mais tocou na parte A e B do rabo de palha. Agora piso no rabo de palha da fotografia. O rabo de palha da fotografia chama-se homem. Bilac viu mal. A soberania da fotografia, como a soberania de muitos países, é de palha. As palavras não são traidoras. A fotografia é fiel se o fotógrafo é fiel. As palavras são traidoras se o homem é traidor. O fotoshop não é o melhor, mas pode ser o melhor anti-ruga do planeta, depende do Web Designer. Dependendo do traidor, uma imagem pode dizer mais ou menos. Se o traidor é amigo, tira rugas, se inimigo, mesmo não as tendo, põe.

A fotografia não é fiel, pois das poucas vezes em que advoguei de um caso não me esqueço. Uma mulher teve seu imóvel deformado por um vizinho e o convidamos a ir ao juiz reparar os danos. No dia da audiência não pude estar presente. Um amigo me substituiu. Ao chegar de viagem encontrei a mulher triste. Disse que quase saiu presa da mesa do juiz. As fotos, Dr. Lukata! Advogado não é doutor. De fato as fotos no processo tinham arte. Obra prima. Verdade. Imagem é tudo. Tanto que convenceram ao juiz. A sentença sairia em breve, mas o barulho da carruagem era favorável ao adversário. As fotos tiradas à noite, de uma espécie de oitava à esquerda, oblíquas, de ladinho, eliminavam os sinais de ataque ao imóvel. Gostei. Agora eram Palavras xFotografias. Achei um oficial de justiça que se compadeceu da mulher, foi até o local, constatando os rabinhos de palha da fotografia, havia danos e lavrou aquela certidão, finalizada com o tradicional: O referido é verdade e dou fé. As palavras ganharam das fotografias nas 1ª e 2ª instâncias.

Outra foto infiel pode ser vista na página VII do livro Antologia II, 2004, da ALAM (Academia de Letras e Artes de São João de Meriti), onde o professor de história, Gênesis Torres, aparece numa fotomontagem ao lado do professor Moysés Henrique dos Santos e Maria das Graças G. Neves. Na foto original ele não aparece. Só depois do adultério é que surge o imponente professor, ferindo a história da Academia de Letras. Agora, Gênesis Torres além de ser professor de história, é poeta da fotografia. Seja bem-vindo: A Arte é o mundo dos adúlteros. Por ser crônica, não dá para colocar aqui as fotos, mas creio, bastam palavras para dizer:

- Ora, Bilac! Perdeste o senso? Perdão do trocadilho, mas contra fotos há argumentos.

*Crônica publicada no jornal Hoje-Diário da Baixada Fluminense-RJ, em 30 de outubro de 2008

terça-feira, 21 de outubro de 2008

VOTAR AO ENTARDECER



O impacto da crise financeira internacional atingiu o preço da farinha e do pãozinho e agora está atingindo a crônica.


Antes minha mão escrevia de 45 a 50 linhas, depois da crise, trinta, trinta e cinco, porque estando o pãozinho mais caro, eu como menos, vejo menos, penso menos, escrevo menos, embora seja da alma da crônica a economia de palavras.


Comendo menos e querendo continuar a comer a mesma coisa mudei a hora do almoço, almoço mais tarde, quando o preço cai para R$0,69. Descobri esse preço andando de mãos dadas com a crise, entrando, como de costume pela Rua da Bolsa de Valores, Rua do Mercado a ziguezaguear ali por dentro, atravessando a Travessa do Comércio para atingir o Centro Cultural Banco do Brasil. Haver restaurantes com placas de almoço nas calçadas por lá é natural, estratégico.
Foi uma dessas placas de almoço exposta na calçada que me fez lembrar o entardecer. Nela estava escrito: 100 gramas → R$ 1,30; após às 14:00 H, 100 gramas → R$0,90; após às 15:00 H, 100 gramas → R$0,69.


Com uma placa dessas não é difícil imaginar uma conversa numa daquelas salas de escritório nos sobrados:


- Você vai almoçar agora?!


- Não, não! Não estou com fome! Gosto de almoçar tarde, bem tarde porque amo o entardecer.
À feira também há muitas mulheres que gostam de comprar à tarde, bem tarde porque amam o entardecer. Já na feira de meninas o entardecer é na segunda-feira e aí os homens correm a comprar os melões, melancias, coxas e batatas de pernas por R$0,69. Veja, comprando milho se descobrem essas coisas. Comprava milho e um dos compradores foi abordado por uma dessas meninas e a dica do entardecer veio na boca do vendedor de milho:


- Hoje é segunda, é fraco! A Crise! Dá um milho que ela vai! E me veio um verso duro, mas um verso: 100 gramas de menina ao entardecer. Uma Vênus de Milho chama o trocadilho.


Olhando esses três casos, dos restaurantes, da feira e da feira de meninas, parece que ao entardecer tudo fica mais barato. Não, não. O vinho entardecido não é mais barato; o voto entardecido não é mais barato, porque enquanto na feira de domingo uma alface começava com o preço lá em cima e à tarde ia caindo; paralelamente na feira de voto dessas eleições, o voto começou com R$30; após o meio dia, R$40; após às 15:00H, R$70.


Logo é de se esperar para as próximas feiras de voto, que esses feirantes votem sempre ao entardecer. Até os aposentados com mais de setenta estão se preparando e não querem deixar de votar, ninguém sabe a trajetória do dólar!


- R$70 ou R$80 é mais um que vai entrar – dizem eles- para ajudar na compra do pãozinho.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

PASTOR OVERNIGHT X MENDIGO AZUL

Esse ano a palavra inflação voltou a rondar os jornais. Em 2007 rondou em forma de memória, quando um jornal publicou matéria, falando dos tempos da inflação galopante. Quase todo sábado, tempo do Sarney, os preços das passagens de ônibus aumentavam. Eu era gerente em Caxias e não tirava a maquininha de remarcação do bolso. Tempo do Overnight, tempo de escuridade e aplicações.

Overnight...Quem tinha boa soma em dinheiro e aplicasse no popular Over, no outro dia estava bem. Lembro que o intendente do navio, em que fui marinheiro, investia no Over. Investia o dinheiro do pagamento da tripulação, mas ninguém reclamava da ética do tenente, um ateu convicto, porque o lucro era revertido para o navio com festas de porto em porto, convidando-se belas mulheres. Quem iria reclamar com aquelas Vênus a bordo?! É bem verdade que nessas pescarias vinham alguns baiacus, miquimbas, mas no geral, ninguém ficava sem pescar. A Marinha depositava o pagamento no dia 19, mas o navio, por conta das Vênus, só pagava no dia 23...Variava.

Porém, a aplicação mais interessante desse tempo overnightiano não era feita no mar, mas em terra. O aplicador era um pastor de Vila Tiradentes. Digamos que seu nome era pastor Overnight. Aplicava no over os dízimos e ofertas e até aí não pesava, mas os órfãos, as viúvas, como está prescrito no Livro Sagrado, não viam uma pratinha de um centavo sequer, um benefício desses rendimentos. O lucro não era revertido para a igreja, transformava-se em carros zero, dos mais caros, sítio, imóveis para aluguel e ações no nome do Ministro de Deus, do pastor Overnight, cuja filha não cansava de dizer que seu pai não era otário, só dormia em hotel 4 estrelas. E aí a gente lembra da frase de caminhão: "Se tua estrela não brilha, não tente apagar a minha". Mas muitas estrelas só acendem, apagando as de muitos! Certa vez um cabo da aeronáutica e cristão veio a mim para saber se havia como ajudar uma viúva com fome e eu lhe disse que na igreja havia um quarto com comida até o teto e era só falar com o pastor Overnight. Minutos depois voltava o cabo com lágrimas nos olhos. O pastor lhe dissera a seguinte frase: "Rapaz! Fica quieto que assim sobra mais pra gente!"

Por Deus, eu já tinha ouvido falar de Ira Santa, mas Avareza Santa foi a primeira vez! E é aqui, na avareza, que lentamente feito uma ostra que se fecha, encerrando pérola, que fecho a crônica, recordando um contemporâneo do pastor Overnight, um mendigo habitante da Praça da Matriz, a Praça do cartão postal, principal de Meriti, que numa tarde, anoitecendo, em que me deslumbrava com os vários tipos de azuis que Deus pintara no céu, formando um degradê, encontrava-se parado junto à mesa de jogo dos aposentados sem dizer palavras. O mais curioso era que na terra, o mendigo também vestia um terno azul clarinho, mas a sujeira o empurrava para um azul ferrete. Parecia uma estátua suja de azul.

Observava-o da passarela, quando uma mendiga atravessou a rua cheia de salgados da padaria. Na praça os outros mendigos estenderam as mãos, porém, ela armou-se de um porrete e batia como se fosse uma palmatória.

Naquela segunda-feira muitos estavam no vermelho, mas eu estava azul de dinheiro e comprei duas grandes bolsas de pão doce, fresquinhos e também fui para a praça, mas para suavizar as porretadas. A vida empurrou-me para o mendigo azul, mas ele não me encarou. Pensei na possibilidade da surdez das almas feridas e então lhe disse que quem estava lhe oferecendo pão era alguém que entendia da fome, da dor, na carne e na alma. Virou-se para mim, e lá no fundo das grossas sobrancelhas, estavam incrustados dois olhos azuis e brilhantes como duas bolhas de sabão, prestes a se desfazer em lágrimas. Ofereci mais uma vez e ele abaixou, pegou um pão doce. Ainda curvado, insisti para que pegasse mais porque iria sobrar, repisei a oferta, mas ele foi erguendo a coluna vertebral, ereta como a de um cavalo-marinho, até ficar do meu tamanho e a alma maior do que a minha e a do pastor. Olhou-me profundamente nos olhos e disse:

- Basta um! Há muitas praças pela frente!

E ergueu o pãozinho, agradecendo ao Deus dos céus azuis.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

UMA AJUDINHA PARA DEUS

Um vereador pleiteando a reeleição numa das cidades da Baixada Fluminense andou dizendo que uma irmã evangélica profetizou que ele seria o mais votado do partido. Seu nome nas pesquisas não aparecia como favorito a nada. Entre os primeiros então...

A bíblia diz em Deuteronômio, capítulo18, versículo 22: Quando o profeta falar em nome do SENHOR, e essa palavra não se cumprir, nem suceder assim; esta é palavra que o SENHOR não falou; com soberba a falou aquele profeta; não tenhas temor dele.

Mas contra fatos não há argumentos, dizem por aí. Saindo os jornais com o resultado, lá estava o nome do vereador. Reeleito. E o mais votado não só do partido, mas também do município. Seu nome veio na cabeça, logo o SENHOR falou. A bíblia também diz assim: “chamei-te por cabeça e não por cauda”.

A essa hora a irmã deve estar dando o testemunho de que fora de fato usada pelo SENHOR. A essa hora muitos devem estar glorificando o SENHOR, após ouvir esse testemunho com a prova material: os jornais com a lista dos mais votados. A essa hora a irmã já deve ter tirado uma foto ao lado do vereador para a prova ser mais contundente.

O que me alegrou nessa profecia da irmã foi a confirmação de que o sol nasceu para todos; o SENHOR não faz acepção de pessoas mesmo. Note-se que na cidade desse vereador, disputando com ele, havia Pastores, Missionários, Presbíteros, Diáconos: ”para vereador, Pastor Fulano! Missionária Beltrana!”.

Deus não enviou nenhuma profetisa a esses que o servem em esprítu e verdade, dizendo: você, meu servo, será o mais votado!”.
Quando digo esprítu e verdade é assim mesmo: esprítu, porque há espíritos e esprítus.

Quem diria! Até 1988 a maioria dos evangélicos tinha pavor da política e agora, param de se falar por causa dela, dão a vida por ela e seus cargos comissionados, comissões, congressos...
Mas comecemos a imaginar que a irmã evangélica, profetisa, visto ter sido usada pelo SENHOR, pleiteie junto ao vereador um carguinho comissionado. O vereador por sua vez se furta a atendê-la e a profetisa comece a dizer por aí que o SENHOR dá, mas o SENHOR tira; que o SENHOR dá o reino a quem ele quer... O vereador não podendo se esconder a vida inteira, começa a ficar imprensado coelho no canto parede e a profetisa lá, meu cargo comissionado!

Todos sabem até um coelhinho, branquinho, acuado num canto da parede ataca. O vereador atacou:

- Ô irmã, o SENHOR falou pela sua boca que eu seria o mais votado do partido e ele me deu muito mais... Fui o mais votado do município, mas eu tive que dar uma ajudinha de setentinha por cada voto.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Um sacrifício para o Deus-Eleitor

Não é de hoje que ouvimos histórias de sacrifícios. Uma das finalidades do sacrifício é implorar auxílio à divindade.

Dois sacrifícios me chamam a atenção no universo: O de Idomeneu e Jefté. Idomeneu, rei de Creta, após a guerra de Tróia, retornando à pátria, no meio do caminho, teve que enfrentar uma outra guerra contra a água. Atingido por uma tempestade, prometeu a Poseidon (Netuno) sacrificar-lhe o primeiro ser humano que encontrasse em seu reino se chegasse são e salvo. Chegou, mas avistou o seu próprio filho. Idomeneu cumpriu a promessa no filho, imolando-o, é o que diz a lenda.

Uma história muito parecida é contada na bíblia, no livro de juízes, vivida pelo valente Jefté que venceu a guerra, só que ao voltar quem lhe saiu ao encontro foi a própria filha. Não sei quem leu quem, mas não importa; mudou alguma coisinha. A influência, a intertextualidade e o plágio são fatos. Interessa que uns dizem que Jefté cumpriu a promessa e outros dizem que não. A meu ver não cumpriu. Não pela infidelidade de Jefté, mas já que todas as histórias se parecem, vejam-se Gilgamesh e Noé, creio que um anjo igualzinho ao que bradou para Abraão não imolar seu filho Isaque deve ter vociferado para Jefté não imolar a cocadinha hebréia. Jefté, não faça isso, rapaz! Que desperdício! É uma cocadinha hebréia! Enlouqueceu! Vá cocadinha, vá! Nosso Deus não aceita esse tipo de sacrifício.

No Domingo, passando pelas ruas lembrei de Idomeneu e Jefté. Eleições municipais... As ruas cheias de Idomeneus e Jeftés prometendo sacrifício de sangue, caso vencessem a guerra. Mas esses nossos Idomeneus e Jeftés de agora, mudaram alguma coisinha. Não são plágios do passado grego e hebraico, não. Os Idomeneus e Jeftés de hoje só têm filhas. Idomeneus e Jeftés com as mãos ensangüentadas de notas de 10 reais; oferecendo em sacrifício suas filhinhas de 10 reais, fazendo oferenda de até 60 reais, quanto sangue e os Deuses-Eleitores se alimentando como nunca. Mais de 5 mil deuses saíram de barriguinhas cheias e isso pelas mãos de um Idomeneu! Houve até briga de deuses para receber o sacrifício. Eu nunca tinha visto um deus dar uma cabeçada em outro deus. Nem o olho inchado de um deus. Fica igualzinho ao olho humano. Parece plágio. Vi deuses sangrando. Até então só tinha a notícia de Diomedes ter sangrado a deusa Afrodite. Literatura. Homero.

Mas os deuses sangram e ainda há 55 milhões de Deuses-Eleitores sangrando abaixo da linha da pobreza e fica difícil de impedi-los, com palavras, de aceitarem sacrifícios dos Idomeneus e Jeftés.

Num país belo e rico como esse, vigora ainda a velha máxima: é questão de sobrevivência.

Minha Primeira Metátese

Tudo bem que na Literatura eu já tinha ouvido nomes estranhos como Homeoteleuto, Poliptoto, Mesoteleuto, Paragoge, mas Metátese? Parece coisa de Lingüística! Porém, não se assuste. Se o nome é estranho, a prática é bem conhecida pelo mundo. É mais simples do que está por vir aí. Segundo a Koogan/Houaiss, metátese é a troca de fonemas no corpo de um vocábulo.

O latim semper deu origem ao português, sempre. Desvariar deu origem a desvairar, tenro a terno.

Ouvi esse nome pela primeira vez numa palestra do poeta Gilberto Mendonça Telles, sobre Drummond, apontando uma metátese no verso: Tinha uma pedra no meio do caminho. A palavra pedra deu origem à palavra perda. Segundo o poeta, referindo-se à morte do filho de Drummond, uma perda. Metátese.

O tempo passou e a palavra adormeceu em mim. Porém, a crise desses nossos dias a despertou. A imaginação foi longe. Rodeou a terra. Deu uma passadinha em Brasília. Quantas metáteses!

Minha primeira metátese se deu recente, parafraseando o poeta português, Fernando Pessoa. No seu verso “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”, metateseei e deu origem ao meu Tudo vale a pena se a mala não é pequena. Notaram a diferença?! A palavra alma deu origem à palavra mala. Uma outra palavra. Fácil, não?! Até porque o momento político levado à exaustão pela mídia, reforça o aprendizado.

Mas se esse exemplo não ficou claro, talvez este: o político se entregou de corpo e alma à prostituta. Na metátese, o político se entregou de corpo e mala à prostituta. Perceberam?! Só o homem tem esse dom de mudar o nome das coisas pela palavra. Ele não só nomeia como muda e renomeia. Por exemplo, no meu tempo, quem tirava proveito da prostituição alheia era chamada de cafetina e prostituta era prostituta, mas hoje, não. Já existe a versão atualizada.

Por esses dias, por favor, não me julguem, sou apenas um narrador que como um guia turístico fez uma visita técnica ao local, entrei na Vila Mimosa e fui recebido por uma mulher, sentada, à mesa, cigarrete entre os dedos. Trazia no seio esquerdo um piercing que segurava um crachá onde estava escrito: Promotora de Eventos. Nas outras mesas as garotas com piercings nos seios, crachás e escrito: Eventos. Perceberam a atualização?!

Mas voltando à metátese, muitos não vendem a alma ao diabo, entretanto, vender a mala ao diabo é caso de negociação. Se o preço diabólico for superior ao que vai dentro da mala, por quê não? O meu medo é que se alastre uma onda de metáteses e os pobres gastem seu dinheirinho publicando nos jornais aquelas preces para receber uma Graça das 13 Malas Benditas. Sim. São mais. Bem mais, mas para os pobres bastam 13.

A metátese é tão fácil que pode se dar até no democrático remédio jurídico Habeas Corpus, quando se trata de certos indivíduos. Nesse caso, Habeas Corpus dá origem a Habeas Porcus.

Para terminar, as pesquisas mostram que 68% dos brasileiros são analfabetos funcionais, isto é, não sabem ler direito. É verdade. Muitos políticos não entenderam nada do que disse Jesus: Antes temei aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo. E eles entenderam: Antes temei aquele que pode fazer perecer no inferno a mala e o corpo. A polícia federal está aí mesmo. Por isso esses Malocratas vão às igrejas, tornam-se cristãos...Quem quer perder a mala? E alguns irmãos, não menos interesseiros, oram para santificar a mala. Esquecem que alma dá mala e se esticarmos dá lama. Mas que alma estará preocupada, se ao abrir a mala, tem milhares das escassas notas de cem para limpar a lama?

PS:. Cientistas brasileiros foram convocados em caráter de emergência para clonar um espírito que atende pelo nome de Tranca Rua das Almas. Seu clone será chamado de Tranca Rua das Malas, porque o problema do Brasil não é servidor público nem aposentado, previdência. Nosso planeta tem um sério problema é com as Malas.



*Crônica publicada no jornal Hoje - Diário da Baixada Fluminense, na época do escândalo das malas, outubro de 2005.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

LARANJAS-DA-TERRA

Quando se popularizou o microônibus disse a mim mesmo: eis mais uma imagem para a crônica. Ambos se parecem. São vizinhos. Na crônica cabem poucos personagens, no microônibus, poucos passageiros; a crônica é curta e leve; o microônibus pelo próprio prefixo grego “Micro” já indica que é pequeno, curto. Microcéfalo, por exemplo, é o que tem a cabeça muito pequena ou curta, depende do sentido; microcosmo é um mundo pequeno e microcorrupção é uma coisa que não existe no país. Quiçá, no mundo.

Quanto a leveza, na crônica resolve-se no sentido figurado das palavras, a leveza é do pensamento, porém, no microônibus essa leveza é literal e foi resolvida retirando-se do veículo o pobre cobrador e diminuindo-se o espaço para idosos e estudantes e amortecendo o salário do motorista-júnior que faz dupla-função: dirige e cobra.

Quando embarco num microônibus sempre tenho a sensação de estar viajando numa crônica; ainda mais quando ergo os olhos e leio o aviso na plaqueta: “Fale ao motorista somente o indispensável”. Quem leu Ezra Pound sabe que no seu livro ABC da Literatura ele aconselha a verificar quais e quantas são as palavras inúteis na composição dum texto. E aqui entra novamente a plaqueta, só que agora parafraseada: Fale ao leitor somente o indispensável. Ocorre que os motoristas são seres humanos e às vezes eles é quem acordam com vontade de falar mais do que o indispensável.

Não é fácil dar de 4 a 7 viagens num microônibus, monologando de si para si. Ora, deu-se o caso de uma tarde um motorista da Baixada Fluminense trocar o monólogo pelo diálogo e começou a dizer a dois estudantes que Nilópolis foi o maior produtor de laranja do Estado do Rio de Janeiro em 1940. Isto ele tinha ouvido numa igreja. De fato a Baixada foi muito rica em laranja no passado, tanto que existem umas laranjinhas na bandeira da cidade de Nova Iguaçu. E dizia o motorista: “Passa lá hoje pra ver se você vê um pé de laranja?!”. Eu que durante a viagem monologava sobre a questão dos deficientes visuais, disse com voz do tamanho de microônibus, de crônica: pobre motorista-júnior! Não consegue enxergar um pé de Laranja! Assim vai ser júnior para o resto da vida! Amo os cegos, mas detesto a cegueira, dessas que não vi nada, não sei de nada...Amo os cegos, mas aborreço os que são pagos para fechar os olhos. Prefiro um poeta pobre de olhos abertos a um Secretário de Fazenda, um pastor de olhos fechados.

Hoje não sei quem é o maior produtor de laranja, mas sei que o motorista parece o moço de Eliseu. Eliseu era um profeta que fazia saber ao rei de Israel todos os planos do rei inimigo, o rei da Síria, que chegou a pensar haver traidores no seu reino, porém, um dos seus servos lhe disse: “Há um profeta por nome Eliseu que faz saber ao rei de Israel as palavras que tu, Oh rei da Síria, fala na câmara de dormir!”.

À noite, o rei sírio mandou um exército cercar a cidade onde estava Eliseu. Bem cedo quando o moço se levantou e saiu, viu-se cercado por um grande exército com cavalos e carros e disse a Eliseu: Ai, meu senhor! Que faremos? E Eliseu respondeu, não temas; porque mais são os que estão conosco do que estão com eles. E orou Eliseu: Senhor, peço-te que lhe abras os olhos, para que veja. E o Senhor abriu os olhos do moço, e viu; e eis que o monte estava cheio de cavalos e carros de fogo em redor dele e de Eliseu. Veja o leitor que o moço de Eliseu só via o inimigo; não via em volta de si o exército que os protegia. Se bem que certos pastores também não andam vendo, não. Andam cercados de homens armados até os dentes. Que show da fé é esse? Esse espetáculo já é paisagem de todos os dias. Apoteótico seria, já pensou que belo, os pastores cruzando a Avenida Presidente Vargas cercados de cavalos e carros de fogo!

Mas voltando ao moço, foi preciso Eliseu orar, pedindo a Deus que abrisse os olhos do rapaz. Pois inspirado nessa história resolvi fazer a mesma oração pelo motorista baixadense, de Nilópolis, dentro do microônibus cheio: “Ó Senhor, peço-te que lhe abras os olhos para que veja...” e o Senhor abriu os olhos ao motorista, e ele viu; e eis que a Baixada Fluminense era um lindo pomar, cheia de pés de Laranja. Pés de Laranja 34/35/36/37/38/39/40...



* Crônica publicada no Jornal Hoje - Diário da Baixada Fluminense, no período de 20 a 30 de abril de 2007

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

A POLÍTICA DO CANGURU

Na infância eu ia muito à casa dos meus avós por parte de madrasta. Ficava em Campo Grande, Zona Oeste do Rio, quilômetro 42 e pegávamos a viação Ponte Coberta para chegar lá. Em volta da casa havia campos de futebol, mais distante, olarias, fabricando tijolos fresquinhos e muitos escorpiões que capturávamos pelo rabo, mergulhávamos no álcool e viravam remédio para as feridas. Lembro que havia pelotões de pés de quiabos, verdinhos, onde pela manhã pousavam o sol, canários e coleirinhas e minhas esperanças de escritor.

De propósito deixei para dizer agora que nos fundos da casa dos meus avós fica o rio Guandu, onde pescávamos traíras, piabas e entre a casa e o Guandu havia muitos eucaliptos e um bom pedaço de mata. À tardinha o vento passando por entre as folhas dos eucaliptos parecia alguém fritando uma grande quantidade de batatas. Foi por entre essas folhagens que um dia vi um canguru. Alertei vovô e ele logo veio armado de um porrete de eucalipto, deixando-me muito triste, mas ainda bem que o canguru fugiu.

Qualquer pessoa sabe que canguru é com a Austrália, a Tasmânia, Nova Guiné e Ilhas Aru, porém, o Brasil é uma terra tão boa que é possível ganhar mais de quinhentas vezes na loteria! Às vezes até no mesmo dia. Ora, por que o espanto de um canguruzinho em Campo Grande?! Mas foi um espanto. A notícia correu. Todos ficaram de olho, mas ele nunca mais apareceu, ele não, ela, porque antes de chamar meu avô, fiquei olhando um tempo para ela, tentando desenhá-la, pois duas coisas me atraíam na infância: a pintura e as palavras. Isso me dividia e ora colocava a boina do meu pai e me sentia um Picasso, ora escrevia palavras desarrumadas e fazia pose de Mário Quintana ou Drummond.

Hoje como vocês podem ver, escolhi a escrita, porém, sempre tive o defeito de querer abraçar o mundo com as pernas e para não perder de tudo, tornei-me um escritor imagético em vez de jurídico.

Mas a certeza de que o canguru era fêmea veio do filhotinho na bolsa, vez por outra se escondendo para dar uma mamadinha. Naquele rápido encontro pude ver que mamãe canguru por diversas vezes o empurrava para fora da bolsa e o tocava para que fosse adiante como quem diz: Filho, chega de leitinho! Um canguru evolui do leite para as folhas e já é hora de você comer as folhas da grande literatura! Mas o bichinho em vez de pular para frente, saltava para trás, para dentro da bolsa e começava a mamar nervosamente. E como ficaram naquele lenga-lenga, ela empurrava para fora da bolsa e ele saltava para dentro da bolsa, fui chamar vovô.

Por esses dias os meios de comunicação divulgaram que muitos dos que têm o bolsa família e outras bolsas mais, estão se recusando a trabalhar de carteira assinada para não perder, obviamente, a bolsa.

Parece história de canguru, onde a Pátria Canguru empurra seus Cangurus para a carteira assinada, mas eles saltam para dentro da bolsa de novo e começam a mamar nervosamente. Assim a taxa de desemprego não cai nunca. Fica difícil dizer "Pra frente Brasil"; "Este é um país que vai pra frente"; "Pra cima deles, Brasil" se os nossos cangurus saltam para trás.

Se meu avô estivesse vivo diria que é safadeza desses tipos de cangurus e certamente apanharia o seu porrete de eucalipto e botaria todo mundo pra correr do bolsa, entretanto, prefiro ver isso como a Política do Canguru.

No fundo é sempre bom ter uns milhões de canguruzinhos dependentes, principalmente na hora da eleição: Vem, filho, tomar leitinho! De que adianta carteira assinada? Você não vai se aposentar mesmo!

crônica publicada em 02 de março de 2007, no jornal Hoje - Diário da Baixada Fluminense.

Elogio da Chuva

Caro Lukata, meu nome é Aedes Aegypti de Souza, tenho 6000 anos, mas só de uns tempos para cá é que nós, os Aedes, graças a Andy Warhol e um pouco da nossa maldade, começamos a nos tornar midiáticos.

Vejamos, nós os Aedes, entramos na festa de ser respeitado pelo mal que podemos causar. Já somos sucesso estadual e com a ajuda da Nossa Senhora dos Mosquitos a nossa fama vai ser nacional e internacional!

Mas não é a mim que desejo elogiar. Entre os dias 14 e 21 de março, Dia Nacional e Internacional da Poesia, respectivamente, mais exato, dia 17, jornais e TVs acusavam a Chuva de ter deixado 53 feridos em todo o estado. Não há nenhuma poesia nisso. Aliás, aqui no rio a Chuva não é poesia. Aqui a chamam de tragédia, de estraga prazer nos finais de semanas... Já a chamaram até de chuva assassina! Chuva assassina? Chuva assassina é essa chuva de ogivas que fica trovejando, ameaçando, passando para lá e para cá nos céus da mídia. A própria França anunciou, através de Sarkozy, que vai diminuir a sua chuva de ogivas nas Forças Armadas: menos de 300. O tamanho exato ela não diz, porque considera segredo de Estado. Ingênua França! Espera que os outros países digam o tamanho aproximado dos seus arsenais. É claro que todos vão dizer: menos de 300. E não dirão o tamanho exato por ser considerado segredo de Estado. Parece que estamos no meio de meninos medindo o tamanho dos seus pintinhos; Quem falará o verdadeiro tamanho do seu arsenal? O tamanho exato do meu pintinho não digo a ninguém. É segredo de Estado.

Mas não é só na Terra que existe segredo de Estado. No céu, Deus tem o seu segredo de Estado, está escrito, Deuteronômio 29:29, “As coisas encobertas pertencem ao Senhor nosso Deus, porém as reveladas pertencem a nós e a nossos filhos...”. Creio, muitos sabem, houve uma guerra no céu e Miguel e os seus anjos deram uma surra no dragão, a antiga serpente, o diabo, Satanás e foram precipitados na terra, ele e seus anjos golpistas. E recebeu a terra, uma chuva de anjos derrotados. A bíblia não fala, mas enquanto o diabo caía do céu à terra, um dos anjos derrotados lhe fez uma pergunta:

- Satanás, por que é que o nosso golpe deu errado?! Satanás que nunca tinha falado um palavrão no céu, quem criou o palavrão foi ele, vocês humanos só o aperfeiçoaram para Caraca! Caramba! Respondeu:
- Quê quié, merda! Foi um tal de segredo de Estado! É! Quando eu me esborrachar na terra, vou criar umas organizaçõezinhas, cheias de segredinhos também! Esse negócio de segredo de Estado dá certo!

O que deve ou não, ser segredo de Estado, depende de cada cultura, cada país. Uns entendem segredo de Estado no sentido Stricto Sensu, outros no sentido Lato Sensu. O Brasil é o país do Lato Sensu: até tapioca é segredo de Estado.

Mas a França pede, ainda, à China e aos Estados Unidos para não brincarem com armas nucleares, mas nessa chuva os Estados Unidos não querem se molhar de jeito algum, e sonha com o seu guarda-chuva atômico. Isso sim é uma chuva assassina, Lukata. Quer mais assassina do que a chuva de balas perdidas? Assassina é a chuva de fraudes, e que chuveiro! Assassina é a chuva de Aedes Aegypti, que por acaso sou o Aedes chefe, e mato mesmo, mato até criancinhas, mas a chuva, coitada... Nada a ver.

Agora, aparece um monte de feridos, de mortos por esse mundo e a culpa é da Chuva? Das águas de março? Da poética água de março? Bando de Adão e Eva! Reclamam da Chuva, mas vocês de cérebro e razão também têm as suas chuvaradas! Nós damos 15, 20, 25 picadas em vocês até matar mesmo e assumimos, mas vocês, não! Dão 15, 20, 25 tiros noutro ser humano e saem por aí alegando legítima defesa, bala perdida...

Vocês chamam a Chuva de água de assassina, mas amam a Chuva de Sangue. É no cinema, é na vida real... Meu santo deus dos mosquitos! Eu estava outro dia mordendo o joelho de um garota, quando ouvi na TV a chamada de Rambo IV e começava assim: “Muito sangue, tiros...”. E nos jornais? “Sangue, tiros e muita testosterona...”; e na vida real é 30, 40, 80 tiros em Fulano, em Beltrano... Assassina! Tá! Assassina é quem tem cérebro! Assassina é essa chuva de raposas na política. E ainda exigem que os livros doados às bibliotecas nos presídios sejam livros que não estimulem a violência, a astúcia. Olha aí a raposa! A astúcia é tratada com dois pesos e duas medidas nesse país. Para um lado ela é livre, aplaudida e incentivada por padres, pastores, políticos, advogados, mas para outros, não! Só mesmo na cabeça de raposa que cabem essas coisas! Que padre? Baltasar Gracián! Que pastor? É só ver TV e ouvir rádio! Que político e advogado? Perdi as contas!

Liga não, Aedes de Souza! Aqui nesse Rio de Janeiro eu sou mal vista, mas ainda bem que o ponto de vista não é um só. Lá para o Nordeste me chamam de Chuva-de-Caju; Chuva-dos-cajueiros; Chuva-dos-imbus; Chuva-dos-imbuzeiros; lá em Goiás eu sou Chuva-de-manga!
Aqui mesmo eu deveria ser chamada de Chuva-dos-morangos, chuva-das-melancias...

Quando eles vão à feira em dezembro, encontram morangos robustos, melancias enormes, vindas do interior do estado e, no entanto, ingratidão! Chuva-de morangos! Quer mais poesia do que essa?! A poesia cada vez mais se afasta desse mundo, olha a notícia: “morre o músico cubano Israel “Cachao” Lopez, pai do mambo”. O que você acha, Aedes?

- Acho que mais um pouquinho e a notícia seria diferente: “Morre..., pai do Rambo”

Crônica publicada na época da Dengue 2008

O SERMÃO DA PICANHA

Irmãos em Cristo! Convidei o pastor Picanha para pregar hoje à noite, mas até agora ele não chegou. Aguardemos o homem de Deus e enquanto isso, contar-vos-ei um pouco de história, historinha:

Quem descobriu o fósforo foi Hennig Brand, no ano 1669, em Hamburgo, na Alemanha. E quem descobriu o fósforo que hoje vem na cabeça do palito foi Anton Von Shöter, no ano de 1845, Alemanha, mas quem descobriu o fósforo aceso em contato com o balde cheio de gasolina junto ao barracão, na Vila Tiradentes, em 1970, fui eu.

- Licença! Atendeu o celular. Era o pastor Picanha, gente! Ele tá preso no trânsito.

Mamãe me avisou para não jogar fósforo aceso num balde de 20 litros perto do barracão onde morávamos, porque estava cheio de gasolina. Não resisti. Arrastei o balde em chamas para cima do patinete ao preço de uma sobrancelha queimada. Já tinha ouvido falar que Deus guiava os filhos de Israel numa coluna de fogo à noite, mas criança não agüenta esperar e joguei logo o fósforo aceso, Deus acendeu e o levei para passear de patinete à tardinha mesmo.

Percebi que Ele gostava de água e a cada baldinho Deus crescia mais e mais até o céu e eu O levava para dar um abraço caloroso nos amiguinhos da rua, mas todos saiam gritando que “Deus era fogo consumidor!”.

- Pastor Picanha ligou que o trânsito está melhorando, mas ele vai dar uma paradinha no estacionamento do posto de gasolina, onde ele mantém vaga cativa, para trocar de carro: toda vez que sai para pregar, gente, ele passa no estacionamento e deixa seu carro Zero, no valor de R$190,000 e sai de lá com um fusca velho, caindo os pedaços que é para não chamar a atenção dos fiéis.

Dava para entender o medo de um Deus de Fogo Consumidor... Naquele tempo no bairro de Vila Tiradentes havia muitos barracos. O comércio: a barraca da Natália, a barraca do João Ratão, o Ponto Azul, ponto de referência para os caminhoneiros vindos de São Paulo, tudo era madeira. Mas eram os anos 70. O Brasil sendo tricampeão do mundo. Quem queria saber que em Vila Tiradentes havia barracos? No céu os balões davam cabeçadas tarde após tarde, gol após gol.

Era tempo das notas de Santos Dumont, de dez cruzeiros novos. Pastor Picanha já está chegando, gente! Ah, se no bolso do meu pai houvesse muitos Santos Dumont dando cabeçadas. Nada! Mal dava para comida. Morar num barraco alugado já explica muita coisa. Barraco mesmo com direito à lacraias,ratos, caranguejeiras, cobras, lobisomens, ladrões forçando as janelas e os “Irmãos Coragem”. “Irmãos, é preciso coragem...” Era preciso coragem mesmo para morar em Vila Tiradentes.

Lá em casa, Santos Dumont mal aterrissava, naquelas notas marrons e verdes muito bonitas e levantava vôo rapidinho das mãos do meu pai. E nunca houve atrasos nos vôos. Se, por exemplo, comprasse um carrinho, meus carrinhos eram de caixas de fósforo, faltava para o ovo. Ovo... As coisas não mudaram muito do meu pai para mim...

Outro dia fui preparar um ovo e ao riscar um fósforo, sofismei: o fósforo brilha porque se rala na aspereza. Poética a frase embora passando pelo centro do Rio, pela Presidente Vargas, vejo muitos fósforos que ralam, ralam na aspereza e não brilham; embora muitos fósforos não consigam nem sair da caixa. E dos que saem, muitos se quebram no caminho, perdem a cabeça. Em vez de para frente, ralam-se para trás. Há fósforos que não brilham porque não se mantém longe da umidade, conforme a recomendação na caixa. Há fósforos que por ficarem perto do calor, brilham cedo demais. Existe a hora certa para um fósforo brilhar. Existe a hora certa para um fósforo brilhar?

Echo! Aí está o pastor Picanha! Ouçamos com ele o Sermão da Picanha:

- Pois é, irmãos! Deus é assim: chamou uns para ter dez ternos e outros para ter um terno até o fim da vida; chamou uns para andar a pé e outros para andar de avião em avião; chamou uns para comer ovo e outros para andar de churrascaria em churrascaria... Por essa teologia, Deus chamou uns para acender o fogo com fósforos e outros para apertarem apenas um botão. Deus é assim.

Tempos depois, o pastor Picanha teve que dar um tempo de ir à churrascaria. Hoje carrega uma cicatriz que desce do alto do peito, barriga, coxa, canela até o calcanhar e cinco pontes safenas. Eu não queria dizer, mas... Deus é assim.

La música del amor

tuyo triângulo invertido
emite un sonido
claro y vibrante
en un oscuro brillante
se te golpea mi bastón de carne y ilusión
que es metal cuando te beso

Teclas

Uma mulher carrega teclas escondidas sob a pele e exala música se tocada com ternura
a vida, para cima, é um jardim de exuberantes flores para os olhos;
para baixo, uma intensa batalha de raízes.



Se encontrares uma raposa morta na estrada
arranca-lhe sete dentes sem anestesia
antes de levá-la para casa





o lodo se arrasta sempre
e quando sobe
é apoiado na parede

sexta-feira, 9 de maio de 2008

O DELEGADO DO MEC

No tempo em que orelhão funcionava à ficha, apareceu na TVE o ministro da Educação, Maurílio Hegel, anunciando a abertura do Crédito Educativo e as inscrições poderiam ser feitas nas faculdades.


Dláucio Velas entrou na faculdade. Como ele, muitos se desfizeram dos bens de família, cama, fogão... Para suportar as mensalidades até o possível crédito. Vendeu, creiam, a cafeteira para inteirar...


No seu ouvido zumbia a voz da mãe de uma amiga: Seu maluco! Não vê que vende tudo e você, no máximo, só vai até ali e pronto? E o enrugado indicador da mulher, rígido como ferro, delimitava a pequena distância.

Mãe, deixa o menino tentar! Mas D. Leocádia insistiu:


- Que garantia você tem de que será contemplado com o crédito, rapaz? Você é vidente por acaso?

- E a senhora é vidente por acaso? Que garantia a senhora tem de que não serei contemplado?


Na faculdade de Direito foi uma alegria a notícia do crédito. Dláucio e a galera ficaram esperando a colocação dos cartazes nas vidraças da faculdade, mas o tempo foi passando e nada. Velha mania da última hora e quando fomos perguntar a secretária jogou um balde de água fria, dizendo que a faculdade não estava inscrita no Programa do Crédito Educativo. O Diretório Acadêmico confirmou.

A secretária acendeu um cigarro, nublando os olhos. A fumaça formava o sorridente rosto de D. Leocádia. A secretária voltou à burocracia. Ah, o olhar! Os olhos arregalados da secretária do Diretório Acadêmico, somados aos da secretária da faculdade me disseram algo. Todos desceram de elevador para embebedar a derrota no bar ao lado, menos Dláucio que preferiu a escadaria, pensando em ir ao MEC, verificar, mas àquela hora o expediente já estava encerrado e era o último dia de inscrição.

Importunar um juiz com um pedido de Liminar com uma suspeita no olhar... Onde estaria o “Fumus Bonis Iuris” (Fumaça de Bom Direito)? Embora nunca soubesse na vida de um mau direito. A única fumaça que eu tinha era a do cigarro da secretária. Naquele tempo a faculdade estava recebendo visita de alunos estrangeiros e conforme Dláucio descia, uma coisa estranha foi acontecendo.

Subindo passou por ele uma francesinha, loirinha, e lhe disse: “A corsaire, corsaire et demi”, mas ele não sabia francês. No andar seguinte, subindo uma inglesinha, loirinha, lhe disse: “To catch a thief, another thief”, mas ele não sabia inglês. De repente veio subindo uma brasileira loura, louro-passageiro, corpo cheio de curvas que dançava de degrau em degrau, parou cinco degraus acima e feito uma deusa, traduziu: “O que as outras loirinhas disseram é que “Para maluco, maluco e meio”. Pôs um beijo no indicador e soprou para ele e subindo, fez a curva. Toda cheirosa. Só nos cremes.

Quando Dláucio virou já era o fim da escada e deu de cara com o orelhão que tinha um ovo branco em cima, em pé, chamando a atenção. Ali tive a idéia maluca e meia de ser o Delegado do MEC, mas lá fora um homem de terno e bíblia na mão, gritava: “Ficarão de fora os cães, os feiticeiros, os adúlteros, os idólatras, e todo o que ama e pratica a mentira”. No mesmo instante desciam dois alunos que discutiam sobre o filósofo Immanuel Kant e um deles vociferava: Jamais mentir, seja qual for a circunstância!”, porém a morena-loura os expulsou e me olhando, cantou: “advogado que se preza não se espante, não é crente, nem lê Kant e seu meio a todo instante , justifica-o seu fim!”.


Juro, até queria ter, como Sócrates, um caminho reto, mas quando erguia os olhos via que a própria escadaria da Faculdade de Direito fazia curva... Arrematei: Deus escreve certo por linhas tortas mesmo! Ora, na Grécia com os gregos, em Roma com os romanos, no Brasil com os brasileiros, era questão de sobrevivência. E que mal há nas mentiras positivas, Desembargadores?


Usou a única ficha e ligou para a secretária da faculdade e com uma voz de bulldog, trovejou:


- Boa tarde! Aqui é o delegado do MEC e quero saber por que vocês ainda não afixaram os cartazes do Crédito Educativo?



E com voz reprimida, pediu a raposa:


- Por gentileza, o senhor poderia ligar daqui a uns dez minutinhos que eu vou descer para verificar no departamento?


- Está bem. Dez minutinhos. Trovejou de novo. Nem foi preciso. No térreo, logo apareceu a secretária, arrastando atrás de si uma cauda longa e felpuda de seis funcionários tão cúmplices quanto ela, e desesperados, abriam os pacotes e colando, colaram cartazes até nos banheiros.



Dláucio chamou o pessoal que estava no bar, fizeram as inscrições e 32 deles, Dláucio também, foram contemplados com o crédito. Mas o que os 31 contemplados nunca souberam é que do choque entre duas mentiras nasceu uma verdade.


E à noite, Dláucio Velas ficou pensando: não sou delegado do MEC, mas estou preparado para ser político e principalmente, advogado. Transformar o quadrado em redondo, retângulo, triângulo, acutângulo...

AS MOEDAS DE 5 CENTAVOS

Tiradentes foi traído em vida e continua sendo traído em morte. Onde? Na pequena Vila Tiradentes de São João do Meriti.
Com o passar do tempo, certos feitos, tidos como grandes feitos, vão perdendo a sua grandiosidade. Seja de uma forma ou de outra. Hoje o feriado de Tiradentes já dá carona à Brasília e Tancredo Neves. Quem mais virá? Por favor, quando Lasana Lukata morrer, só declararei a sua morte no dia 21 de abril. Ele Também quer pegar carona.
Mas quem leu “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, vê que no capítulo XXI, o almocreve salva Brás Cubas de sérias contusões, quiçá a vida. Brás Cubas resolve lhe dar três das 5 moedas de ouro que tinha, mas no pequeno tempo de ir ao alforjes, viu ser a gratificação excessiva. Decidiu dar uma, mas acabou dando mesmo foi uma de prata e partiu. Enquanto se distanciava, concluiu ao perceber no bolso do colete moedas de cobre, que deveria ter dado os vinténs ao almocreve.
Tiradentes foi traído em vida por José Silvério dos Reis e vem sendo em morte por Brás Cubas. Quem lembra de um joguinho de capas de pano ou plástico que as mulheres vendiam antigamente de porta em porta? Era um joguinho de três peças que não era vendido separado. Vinha com uma capa para liquidificador, botijão e filtro. Pois São João de Meriti possuía o seu joguinho, não de pano, nem de plástico, mas um joguinho histórico: Grupo Escolar Tiradentes, minha primeira escola; o bairro Vila Tiradentes e a Estrada de Minas.
Mas apareceu um Brás Cubas por aqui também e começou a avaliar que o sacrifício de Tiradentes não foi lá grande coisa, não merecendo moedas de ouro e o G. E. Tiradentes deixou de ter esse nome e passou ser chamado de Alzira dos Santos Silva. Depois veio outro Brás Cubas e viu que não era nada mesmo o feito do Joaquim da Silva Xavier, então para quê moeda de prata? Trocou o nome da Estrada de Minas para Avenida Getúlio de Moura e só ficou o solitário nome de Bairro Vila Tiradentes, no valor de uns vinténs de cobre.
Havia forma e poesia em Grupo Escolar Tiradentes, Vila Tiradentes, Estrada de Minas, mas que forma há em Vila Tiradentes e Getúlio de Moura? Vila Tiradentes e Alzira dos Santos Silva? Meus respeitos às mulheres, mas não combina!
A Política precisa saber que as palavras não estão soltas no ar por mais distantes que estejam geograficamente. Poeticamente estão combinas como as Três Marias. Nossos índios não nomearam em vão: Itinga, Tinguá e Tanguá; Turiaçu, Iguaçu, Cabuçu; Icaraí, Andaraí, Bracuí. Quem tem ouvidos ouça!
No entanto um político surdo trocou Itinga por Éden, deformando o joguinho, Itinga, Tinguá e Tanguá. Só pode ser um Brás Cubas!
Menos mal a coisa estar apenas na terra, mas a qualquer instante se desloca para o céu, se aparecer um vereador-astrônomo ou deputado lunático ou medida-provisória-voadora para mudar o nome das Três Marias para Duas Marias e Izildinha, porque a mãe dele se chama Izildinha. E aberta a porta da vaidade celeste, pode vir um segundo e trocar Duas Marias e Izildinha para Uma Maria, Izildinha e Aline, porque a amante se chama Aline.
Tiradentes na minha infância era nota de 5000 (Cinco mil cruzeiros); veio um Brás Cubas e o jogou para 5 cruzeiros novos; depois veio outro Brás Cubas e Tiradentes, o Mártir da Independência, é hoje moedinhas de 5 centavos perto dos bueiros do bairro onde nasci. Confesso, não entendo o mundo das moedas: Tiradentes é moedinha de 5 e D. Pedro I de 10 centavos. Quem dá a vida, vale menos.

Passageiros, bancos e varizes...

Há muitos mistérios nesse mundo. Abrindo o jornal dei com mais este: “balões são achados; padre, não”. Dizia a notícia que os balões foram encontrados em mar aberto. E que mistério é esse? No final do ano passado os bancos estavam rotundos como os balões do padre, comemoravam na mídia os recordes, os lucros e de repente: Vento. Quebradeira dos bancos. Que sucesso é esse, mal sai do berço, ingressa na sepultura? Temos que fazer exumação de cadáver. E que a perícia não seja palha. Outro efeito dominó?! Não sei. Alguém já foi a enterro de banco? É uma tristeza regada a champanhe francês e caviar. A ressurreição é melhor ainda. Vem o deus Governo e lhe dá todo o poder no céu e na terra.

Mas que mundo: some criança, some mulher, some sucesso, some dinheiro público... E quando some dinheiro público, acham-se os balões de festa, aquele que fez a festa, mas com o dinheiro, na maioria das vezes, acontece o que aconteceu ao padre. E temos Força Aérea, Marinha, Bombeiros... Por falar nessas forças, também desejo que elas me auxiliem na busca daquelas plaquinhas dos itinerários. Sumiram dos ônibus. Ficavam no alto, perto do teto. Na infância, anos 70, eu treinava leitura nelas. Gostaria de saber se elas caíram em mar aberto ou mar do esquecimento ou no mar da Má-fé, porque os motoristas de hoje não obedecem ao itinerário. Passageiro embarca achando que o ônibus vai, exemplo, pelas ruas Fulano e Beltrano e quando vê, ele entra na rua Sicrano:

- É ordem do despachante! É ordem da empresa! Vai reclamar com o papa da empresa.

Tudo é festa. Soltem os balões! Despachante e empresa mandam mais que passageiro. Será que a empresa sabe disso?! Se sabe, já não é só concessionária, é um Poder e não mais atrás, mas adiante do trono. Se sabe, governos sob cordelinhos é passado. A luta agora é franca. Guarda baixa. Abaixo a técnica. É a Concessionariocracia.

Assim acontece aos passageiros o que aconteceu ao padre: somem. Vão parar na concorrência. Transportes piratas. E os piratas do momento evoluíram, a coisa se alastrou e além da perna eles têm a cara-de-pau.
Não entendo essa de enfrentar a concorrência aumentando as passagens. Dono de empresa de ônibus não estuda filosofia, nem lógica, senão descobriria que seus argumentos de aumentar para compensar a perda dos passageiros é uma falácia, raciocínio incorreto. Ora, não é certo que se abaixarem os preços das passagens, sem tirar o ar condicionado e desobedecer ao itinerário, os passageiros não voltam correndo? E não há japonês que impeça: Passageiros, bancos e varizes sempre voltam.

Pobre concorrência! É a mais espancada das mulheres. Tempos atrás, século passado, na porta do Banco do Brasil fazia-se uma fila enorme, encaracolável, para o pessoal da prefeitura receber na “Boca do Caixa”. Uma amiga que já havia recebido o pagamento teve idéia de aumentar a remuneração, aparecendo minutos depois, oferecendo água mineral a preço menor do que os vendedores antigos. Seu pregão: “água boa e barata” viveu 40 segundos e recebeu certidão de óbito. Aos gritos de pega, pega, só deu tempo de ver a concorrência sumindo na esquina, sem chinelos e água mineral.

Ah, os bondes! Eu sei, até os bondes saíam dos trilhos, mas não muito. Só o de Nilópolis saía sempre porque o burrinho era de circo e burro de circo é para levar e trazer alegria em vez de transportar carrancas para o trabalho. Não creio que as empresas andem contratando burrinhos de circo. Circo de Fórmula 1.

Mas seria a crônica leviana se dissesse: todos os motoristas desobedecem ao itinerário. Alguns são democráticos e num breve plebiscito sobre rodas consultam os passageiros: alguém vai ficar na Praça do Skate? Se todos dizem não, eles cortam caminho, indo pelo viaduto, direto para a Rodoviária da Pavuna a fim de ganhar tempo; alguém vai ficar no Parque Colúmbia? Se um diz sim, esse único voto prevalece sobre a maioria.
E talvez um motorista esteja dizendo: este cronista só pode ser cego. Não vê que as tais plaquinhas apenas mudaram de lugar? Saíram de perto do teto e foram para a frente dos ônibus? Quem faz sinal logo vê o itinerário.

- Sim, motorista. Mas nas plaquinhas da minha infância os itinerários eram de ruas, os de hoje são de bairros. Um bairro tem muitas ruas.

E talvez você esteja replicando, motorista. Você dos descaminhos: Mas da Rodoviária da Pavuna à Praça do Skate é pertinho! Uns 500 metros !

- Sim. É perto, mas para mulher de 80 anos, aposentada, que ainda lava e passa para fora e arrasta bolsas de roupa por aí; para um homem de 60 anos que, recentemente, perdeu a perna para a diabete e precisa ir sempre à perícia para revalidar o modesto benefício da invalidez; um homem que via suas duas pernas diante do espelho e agora bate muletas sobre asfalto torto e esburacado, esse perto fica longe, muito longe.

Quando você fala desse jeito, motorista, entristece porque ao meu amigo falta uma das pernas para andar, mas a você faltam as duas pernas do cérebro. E carrego esse misto de compaixão e terror por ser você também um explorado, escravo do “Tempo de Viagem” e por qualquer coisinha lhe arrancam uma perna do salário. E aqui faço a minha palinódia, porque não lhe faltam as duas pernas do cérebro. Teu cérebro tem pernas de mais. Pra quê tanta perna meu Deus! Teu cérebro é um polvo. O que lhe falta, motorista, são as pernas do sentimento.
Não. Não desejo nunca, motorista, que você fique diabético, perca uma das pernas e tenha que dirigir muletas para voltar a sentir e compreender essas distâncias.

Para a matemática sempre serão uns 500 metros, uns 5 minutos, mas para a vida podem ser mil anos.