terça-feira, 21 de outubro de 2008

VOTAR AO ENTARDECER



O impacto da crise financeira internacional atingiu o preço da farinha e do pãozinho e agora está atingindo a crônica.


Antes minha mão escrevia de 45 a 50 linhas, depois da crise, trinta, trinta e cinco, porque estando o pãozinho mais caro, eu como menos, vejo menos, penso menos, escrevo menos, embora seja da alma da crônica a economia de palavras.


Comendo menos e querendo continuar a comer a mesma coisa mudei a hora do almoço, almoço mais tarde, quando o preço cai para R$0,69. Descobri esse preço andando de mãos dadas com a crise, entrando, como de costume pela Rua da Bolsa de Valores, Rua do Mercado a ziguezaguear ali por dentro, atravessando a Travessa do Comércio para atingir o Centro Cultural Banco do Brasil. Haver restaurantes com placas de almoço nas calçadas por lá é natural, estratégico.
Foi uma dessas placas de almoço exposta na calçada que me fez lembrar o entardecer. Nela estava escrito: 100 gramas → R$ 1,30; após às 14:00 H, 100 gramas → R$0,90; após às 15:00 H, 100 gramas → R$0,69.


Com uma placa dessas não é difícil imaginar uma conversa numa daquelas salas de escritório nos sobrados:


- Você vai almoçar agora?!


- Não, não! Não estou com fome! Gosto de almoçar tarde, bem tarde porque amo o entardecer.
À feira também há muitas mulheres que gostam de comprar à tarde, bem tarde porque amam o entardecer. Já na feira de meninas o entardecer é na segunda-feira e aí os homens correm a comprar os melões, melancias, coxas e batatas de pernas por R$0,69. Veja, comprando milho se descobrem essas coisas. Comprava milho e um dos compradores foi abordado por uma dessas meninas e a dica do entardecer veio na boca do vendedor de milho:


- Hoje é segunda, é fraco! A Crise! Dá um milho que ela vai! E me veio um verso duro, mas um verso: 100 gramas de menina ao entardecer. Uma Vênus de Milho chama o trocadilho.


Olhando esses três casos, dos restaurantes, da feira e da feira de meninas, parece que ao entardecer tudo fica mais barato. Não, não. O vinho entardecido não é mais barato; o voto entardecido não é mais barato, porque enquanto na feira de domingo uma alface começava com o preço lá em cima e à tarde ia caindo; paralelamente na feira de voto dessas eleições, o voto começou com R$30; após o meio dia, R$40; após às 15:00H, R$70.


Logo é de se esperar para as próximas feiras de voto, que esses feirantes votem sempre ao entardecer. Até os aposentados com mais de setenta estão se preparando e não querem deixar de votar, ninguém sabe a trajetória do dólar!


- R$70 ou R$80 é mais um que vai entrar – dizem eles- para ajudar na compra do pãozinho.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

PASTOR OVERNIGHT X MENDIGO AZUL

Esse ano a palavra inflação voltou a rondar os jornais. Em 2007 rondou em forma de memória, quando um jornal publicou matéria, falando dos tempos da inflação galopante. Quase todo sábado, tempo do Sarney, os preços das passagens de ônibus aumentavam. Eu era gerente em Caxias e não tirava a maquininha de remarcação do bolso. Tempo do Overnight, tempo de escuridade e aplicações.

Overnight...Quem tinha boa soma em dinheiro e aplicasse no popular Over, no outro dia estava bem. Lembro que o intendente do navio, em que fui marinheiro, investia no Over. Investia o dinheiro do pagamento da tripulação, mas ninguém reclamava da ética do tenente, um ateu convicto, porque o lucro era revertido para o navio com festas de porto em porto, convidando-se belas mulheres. Quem iria reclamar com aquelas Vênus a bordo?! É bem verdade que nessas pescarias vinham alguns baiacus, miquimbas, mas no geral, ninguém ficava sem pescar. A Marinha depositava o pagamento no dia 19, mas o navio, por conta das Vênus, só pagava no dia 23...Variava.

Porém, a aplicação mais interessante desse tempo overnightiano não era feita no mar, mas em terra. O aplicador era um pastor de Vila Tiradentes. Digamos que seu nome era pastor Overnight. Aplicava no over os dízimos e ofertas e até aí não pesava, mas os órfãos, as viúvas, como está prescrito no Livro Sagrado, não viam uma pratinha de um centavo sequer, um benefício desses rendimentos. O lucro não era revertido para a igreja, transformava-se em carros zero, dos mais caros, sítio, imóveis para aluguel e ações no nome do Ministro de Deus, do pastor Overnight, cuja filha não cansava de dizer que seu pai não era otário, só dormia em hotel 4 estrelas. E aí a gente lembra da frase de caminhão: "Se tua estrela não brilha, não tente apagar a minha". Mas muitas estrelas só acendem, apagando as de muitos! Certa vez um cabo da aeronáutica e cristão veio a mim para saber se havia como ajudar uma viúva com fome e eu lhe disse que na igreja havia um quarto com comida até o teto e era só falar com o pastor Overnight. Minutos depois voltava o cabo com lágrimas nos olhos. O pastor lhe dissera a seguinte frase: "Rapaz! Fica quieto que assim sobra mais pra gente!"

Por Deus, eu já tinha ouvido falar de Ira Santa, mas Avareza Santa foi a primeira vez! E é aqui, na avareza, que lentamente feito uma ostra que se fecha, encerrando pérola, que fecho a crônica, recordando um contemporâneo do pastor Overnight, um mendigo habitante da Praça da Matriz, a Praça do cartão postal, principal de Meriti, que numa tarde, anoitecendo, em que me deslumbrava com os vários tipos de azuis que Deus pintara no céu, formando um degradê, encontrava-se parado junto à mesa de jogo dos aposentados sem dizer palavras. O mais curioso era que na terra, o mendigo também vestia um terno azul clarinho, mas a sujeira o empurrava para um azul ferrete. Parecia uma estátua suja de azul.

Observava-o da passarela, quando uma mendiga atravessou a rua cheia de salgados da padaria. Na praça os outros mendigos estenderam as mãos, porém, ela armou-se de um porrete e batia como se fosse uma palmatória.

Naquela segunda-feira muitos estavam no vermelho, mas eu estava azul de dinheiro e comprei duas grandes bolsas de pão doce, fresquinhos e também fui para a praça, mas para suavizar as porretadas. A vida empurrou-me para o mendigo azul, mas ele não me encarou. Pensei na possibilidade da surdez das almas feridas e então lhe disse que quem estava lhe oferecendo pão era alguém que entendia da fome, da dor, na carne e na alma. Virou-se para mim, e lá no fundo das grossas sobrancelhas, estavam incrustados dois olhos azuis e brilhantes como duas bolhas de sabão, prestes a se desfazer em lágrimas. Ofereci mais uma vez e ele abaixou, pegou um pão doce. Ainda curvado, insisti para que pegasse mais porque iria sobrar, repisei a oferta, mas ele foi erguendo a coluna vertebral, ereta como a de um cavalo-marinho, até ficar do meu tamanho e a alma maior do que a minha e a do pastor. Olhou-me profundamente nos olhos e disse:

- Basta um! Há muitas praças pela frente!

E ergueu o pãozinho, agradecendo ao Deus dos céus azuis.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

UMA AJUDINHA PARA DEUS

Um vereador pleiteando a reeleição numa das cidades da Baixada Fluminense andou dizendo que uma irmã evangélica profetizou que ele seria o mais votado do partido. Seu nome nas pesquisas não aparecia como favorito a nada. Entre os primeiros então...

A bíblia diz em Deuteronômio, capítulo18, versículo 22: Quando o profeta falar em nome do SENHOR, e essa palavra não se cumprir, nem suceder assim; esta é palavra que o SENHOR não falou; com soberba a falou aquele profeta; não tenhas temor dele.

Mas contra fatos não há argumentos, dizem por aí. Saindo os jornais com o resultado, lá estava o nome do vereador. Reeleito. E o mais votado não só do partido, mas também do município. Seu nome veio na cabeça, logo o SENHOR falou. A bíblia também diz assim: “chamei-te por cabeça e não por cauda”.

A essa hora a irmã deve estar dando o testemunho de que fora de fato usada pelo SENHOR. A essa hora muitos devem estar glorificando o SENHOR, após ouvir esse testemunho com a prova material: os jornais com a lista dos mais votados. A essa hora a irmã já deve ter tirado uma foto ao lado do vereador para a prova ser mais contundente.

O que me alegrou nessa profecia da irmã foi a confirmação de que o sol nasceu para todos; o SENHOR não faz acepção de pessoas mesmo. Note-se que na cidade desse vereador, disputando com ele, havia Pastores, Missionários, Presbíteros, Diáconos: ”para vereador, Pastor Fulano! Missionária Beltrana!”.

Deus não enviou nenhuma profetisa a esses que o servem em esprítu e verdade, dizendo: você, meu servo, será o mais votado!”.
Quando digo esprítu e verdade é assim mesmo: esprítu, porque há espíritos e esprítus.

Quem diria! Até 1988 a maioria dos evangélicos tinha pavor da política e agora, param de se falar por causa dela, dão a vida por ela e seus cargos comissionados, comissões, congressos...
Mas comecemos a imaginar que a irmã evangélica, profetisa, visto ter sido usada pelo SENHOR, pleiteie junto ao vereador um carguinho comissionado. O vereador por sua vez se furta a atendê-la e a profetisa comece a dizer por aí que o SENHOR dá, mas o SENHOR tira; que o SENHOR dá o reino a quem ele quer... O vereador não podendo se esconder a vida inteira, começa a ficar imprensado coelho no canto parede e a profetisa lá, meu cargo comissionado!

Todos sabem até um coelhinho, branquinho, acuado num canto da parede ataca. O vereador atacou:

- Ô irmã, o SENHOR falou pela sua boca que eu seria o mais votado do partido e ele me deu muito mais... Fui o mais votado do município, mas eu tive que dar uma ajudinha de setentinha por cada voto.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Um sacrifício para o Deus-Eleitor

Não é de hoje que ouvimos histórias de sacrifícios. Uma das finalidades do sacrifício é implorar auxílio à divindade.

Dois sacrifícios me chamam a atenção no universo: O de Idomeneu e Jefté. Idomeneu, rei de Creta, após a guerra de Tróia, retornando à pátria, no meio do caminho, teve que enfrentar uma outra guerra contra a água. Atingido por uma tempestade, prometeu a Poseidon (Netuno) sacrificar-lhe o primeiro ser humano que encontrasse em seu reino se chegasse são e salvo. Chegou, mas avistou o seu próprio filho. Idomeneu cumpriu a promessa no filho, imolando-o, é o que diz a lenda.

Uma história muito parecida é contada na bíblia, no livro de juízes, vivida pelo valente Jefté que venceu a guerra, só que ao voltar quem lhe saiu ao encontro foi a própria filha. Não sei quem leu quem, mas não importa; mudou alguma coisinha. A influência, a intertextualidade e o plágio são fatos. Interessa que uns dizem que Jefté cumpriu a promessa e outros dizem que não. A meu ver não cumpriu. Não pela infidelidade de Jefté, mas já que todas as histórias se parecem, vejam-se Gilgamesh e Noé, creio que um anjo igualzinho ao que bradou para Abraão não imolar seu filho Isaque deve ter vociferado para Jefté não imolar a cocadinha hebréia. Jefté, não faça isso, rapaz! Que desperdício! É uma cocadinha hebréia! Enlouqueceu! Vá cocadinha, vá! Nosso Deus não aceita esse tipo de sacrifício.

No Domingo, passando pelas ruas lembrei de Idomeneu e Jefté. Eleições municipais... As ruas cheias de Idomeneus e Jeftés prometendo sacrifício de sangue, caso vencessem a guerra. Mas esses nossos Idomeneus e Jeftés de agora, mudaram alguma coisinha. Não são plágios do passado grego e hebraico, não. Os Idomeneus e Jeftés de hoje só têm filhas. Idomeneus e Jeftés com as mãos ensangüentadas de notas de 10 reais; oferecendo em sacrifício suas filhinhas de 10 reais, fazendo oferenda de até 60 reais, quanto sangue e os Deuses-Eleitores se alimentando como nunca. Mais de 5 mil deuses saíram de barriguinhas cheias e isso pelas mãos de um Idomeneu! Houve até briga de deuses para receber o sacrifício. Eu nunca tinha visto um deus dar uma cabeçada em outro deus. Nem o olho inchado de um deus. Fica igualzinho ao olho humano. Parece plágio. Vi deuses sangrando. Até então só tinha a notícia de Diomedes ter sangrado a deusa Afrodite. Literatura. Homero.

Mas os deuses sangram e ainda há 55 milhões de Deuses-Eleitores sangrando abaixo da linha da pobreza e fica difícil de impedi-los, com palavras, de aceitarem sacrifícios dos Idomeneus e Jeftés.

Num país belo e rico como esse, vigora ainda a velha máxima: é questão de sobrevivência.

Minha Primeira Metátese

Tudo bem que na Literatura eu já tinha ouvido nomes estranhos como Homeoteleuto, Poliptoto, Mesoteleuto, Paragoge, mas Metátese? Parece coisa de Lingüística! Porém, não se assuste. Se o nome é estranho, a prática é bem conhecida pelo mundo. É mais simples do que está por vir aí. Segundo a Koogan/Houaiss, metátese é a troca de fonemas no corpo de um vocábulo.

O latim semper deu origem ao português, sempre. Desvariar deu origem a desvairar, tenro a terno.

Ouvi esse nome pela primeira vez numa palestra do poeta Gilberto Mendonça Telles, sobre Drummond, apontando uma metátese no verso: Tinha uma pedra no meio do caminho. A palavra pedra deu origem à palavra perda. Segundo o poeta, referindo-se à morte do filho de Drummond, uma perda. Metátese.

O tempo passou e a palavra adormeceu em mim. Porém, a crise desses nossos dias a despertou. A imaginação foi longe. Rodeou a terra. Deu uma passadinha em Brasília. Quantas metáteses!

Minha primeira metátese se deu recente, parafraseando o poeta português, Fernando Pessoa. No seu verso “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”, metateseei e deu origem ao meu Tudo vale a pena se a mala não é pequena. Notaram a diferença?! A palavra alma deu origem à palavra mala. Uma outra palavra. Fácil, não?! Até porque o momento político levado à exaustão pela mídia, reforça o aprendizado.

Mas se esse exemplo não ficou claro, talvez este: o político se entregou de corpo e alma à prostituta. Na metátese, o político se entregou de corpo e mala à prostituta. Perceberam?! Só o homem tem esse dom de mudar o nome das coisas pela palavra. Ele não só nomeia como muda e renomeia. Por exemplo, no meu tempo, quem tirava proveito da prostituição alheia era chamada de cafetina e prostituta era prostituta, mas hoje, não. Já existe a versão atualizada.

Por esses dias, por favor, não me julguem, sou apenas um narrador que como um guia turístico fez uma visita técnica ao local, entrei na Vila Mimosa e fui recebido por uma mulher, sentada, à mesa, cigarrete entre os dedos. Trazia no seio esquerdo um piercing que segurava um crachá onde estava escrito: Promotora de Eventos. Nas outras mesas as garotas com piercings nos seios, crachás e escrito: Eventos. Perceberam a atualização?!

Mas voltando à metátese, muitos não vendem a alma ao diabo, entretanto, vender a mala ao diabo é caso de negociação. Se o preço diabólico for superior ao que vai dentro da mala, por quê não? O meu medo é que se alastre uma onda de metáteses e os pobres gastem seu dinheirinho publicando nos jornais aquelas preces para receber uma Graça das 13 Malas Benditas. Sim. São mais. Bem mais, mas para os pobres bastam 13.

A metátese é tão fácil que pode se dar até no democrático remédio jurídico Habeas Corpus, quando se trata de certos indivíduos. Nesse caso, Habeas Corpus dá origem a Habeas Porcus.

Para terminar, as pesquisas mostram que 68% dos brasileiros são analfabetos funcionais, isto é, não sabem ler direito. É verdade. Muitos políticos não entenderam nada do que disse Jesus: Antes temei aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo. E eles entenderam: Antes temei aquele que pode fazer perecer no inferno a mala e o corpo. A polícia federal está aí mesmo. Por isso esses Malocratas vão às igrejas, tornam-se cristãos...Quem quer perder a mala? E alguns irmãos, não menos interesseiros, oram para santificar a mala. Esquecem que alma dá mala e se esticarmos dá lama. Mas que alma estará preocupada, se ao abrir a mala, tem milhares das escassas notas de cem para limpar a lama?

PS:. Cientistas brasileiros foram convocados em caráter de emergência para clonar um espírito que atende pelo nome de Tranca Rua das Almas. Seu clone será chamado de Tranca Rua das Malas, porque o problema do Brasil não é servidor público nem aposentado, previdência. Nosso planeta tem um sério problema é com as Malas.



*Crônica publicada no jornal Hoje - Diário da Baixada Fluminense, na época do escândalo das malas, outubro de 2005.