segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Elogio da Chuva

Caro Lukata, meu nome é Aedes Aegypti de Souza, tenho 6000 anos, mas só de uns tempos para cá é que nós, os Aedes, graças a Andy Warhol e um pouco da nossa maldade, começamos a nos tornar midiáticos.

Vejamos, nós os Aedes, entramos na festa de ser respeitado pelo mal que podemos causar. Já somos sucesso estadual e com a ajuda da Nossa Senhora dos Mosquitos a nossa fama vai ser nacional e internacional!

Mas não é a mim que desejo elogiar. Entre os dias 14 e 21 de março, Dia Nacional e Internacional da Poesia, respectivamente, mais exato, dia 17, jornais e TVs acusavam a Chuva de ter deixado 53 feridos em todo o estado. Não há nenhuma poesia nisso. Aliás, aqui no rio a Chuva não é poesia. Aqui a chamam de tragédia, de estraga prazer nos finais de semanas... Já a chamaram até de chuva assassina! Chuva assassina? Chuva assassina é essa chuva de ogivas que fica trovejando, ameaçando, passando para lá e para cá nos céus da mídia. A própria França anunciou, através de Sarkozy, que vai diminuir a sua chuva de ogivas nas Forças Armadas: menos de 300. O tamanho exato ela não diz, porque considera segredo de Estado. Ingênua França! Espera que os outros países digam o tamanho aproximado dos seus arsenais. É claro que todos vão dizer: menos de 300. E não dirão o tamanho exato por ser considerado segredo de Estado. Parece que estamos no meio de meninos medindo o tamanho dos seus pintinhos; Quem falará o verdadeiro tamanho do seu arsenal? O tamanho exato do meu pintinho não digo a ninguém. É segredo de Estado.

Mas não é só na Terra que existe segredo de Estado. No céu, Deus tem o seu segredo de Estado, está escrito, Deuteronômio 29:29, “As coisas encobertas pertencem ao Senhor nosso Deus, porém as reveladas pertencem a nós e a nossos filhos...”. Creio, muitos sabem, houve uma guerra no céu e Miguel e os seus anjos deram uma surra no dragão, a antiga serpente, o diabo, Satanás e foram precipitados na terra, ele e seus anjos golpistas. E recebeu a terra, uma chuva de anjos derrotados. A bíblia não fala, mas enquanto o diabo caía do céu à terra, um dos anjos derrotados lhe fez uma pergunta:

- Satanás, por que é que o nosso golpe deu errado?! Satanás que nunca tinha falado um palavrão no céu, quem criou o palavrão foi ele, vocês humanos só o aperfeiçoaram para Caraca! Caramba! Respondeu:
- Quê quié, merda! Foi um tal de segredo de Estado! É! Quando eu me esborrachar na terra, vou criar umas organizaçõezinhas, cheias de segredinhos também! Esse negócio de segredo de Estado dá certo!

O que deve ou não, ser segredo de Estado, depende de cada cultura, cada país. Uns entendem segredo de Estado no sentido Stricto Sensu, outros no sentido Lato Sensu. O Brasil é o país do Lato Sensu: até tapioca é segredo de Estado.

Mas a França pede, ainda, à China e aos Estados Unidos para não brincarem com armas nucleares, mas nessa chuva os Estados Unidos não querem se molhar de jeito algum, e sonha com o seu guarda-chuva atômico. Isso sim é uma chuva assassina, Lukata. Quer mais assassina do que a chuva de balas perdidas? Assassina é a chuva de fraudes, e que chuveiro! Assassina é a chuva de Aedes Aegypti, que por acaso sou o Aedes chefe, e mato mesmo, mato até criancinhas, mas a chuva, coitada... Nada a ver.

Agora, aparece um monte de feridos, de mortos por esse mundo e a culpa é da Chuva? Das águas de março? Da poética água de março? Bando de Adão e Eva! Reclamam da Chuva, mas vocês de cérebro e razão também têm as suas chuvaradas! Nós damos 15, 20, 25 picadas em vocês até matar mesmo e assumimos, mas vocês, não! Dão 15, 20, 25 tiros noutro ser humano e saem por aí alegando legítima defesa, bala perdida...

Vocês chamam a Chuva de água de assassina, mas amam a Chuva de Sangue. É no cinema, é na vida real... Meu santo deus dos mosquitos! Eu estava outro dia mordendo o joelho de um garota, quando ouvi na TV a chamada de Rambo IV e começava assim: “Muito sangue, tiros...”. E nos jornais? “Sangue, tiros e muita testosterona...”; e na vida real é 30, 40, 80 tiros em Fulano, em Beltrano... Assassina! Tá! Assassina é quem tem cérebro! Assassina é essa chuva de raposas na política. E ainda exigem que os livros doados às bibliotecas nos presídios sejam livros que não estimulem a violência, a astúcia. Olha aí a raposa! A astúcia é tratada com dois pesos e duas medidas nesse país. Para um lado ela é livre, aplaudida e incentivada por padres, pastores, políticos, advogados, mas para outros, não! Só mesmo na cabeça de raposa que cabem essas coisas! Que padre? Baltasar Gracián! Que pastor? É só ver TV e ouvir rádio! Que político e advogado? Perdi as contas!

Liga não, Aedes de Souza! Aqui nesse Rio de Janeiro eu sou mal vista, mas ainda bem que o ponto de vista não é um só. Lá para o Nordeste me chamam de Chuva-de-Caju; Chuva-dos-cajueiros; Chuva-dos-imbus; Chuva-dos-imbuzeiros; lá em Goiás eu sou Chuva-de-manga!
Aqui mesmo eu deveria ser chamada de Chuva-dos-morangos, chuva-das-melancias...

Quando eles vão à feira em dezembro, encontram morangos robustos, melancias enormes, vindas do interior do estado e, no entanto, ingratidão! Chuva-de morangos! Quer mais poesia do que essa?! A poesia cada vez mais se afasta desse mundo, olha a notícia: “morre o músico cubano Israel “Cachao” Lopez, pai do mambo”. O que você acha, Aedes?

- Acho que mais um pouquinho e a notícia seria diferente: “Morre..., pai do Rambo”

Crônica publicada na época da Dengue 2008

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