Esta é a 4ª ou 5ª vez que me alimento de lula. O chinês com quem trabalhei dizia ser bom para o cérebro, mas estou com isso me tornando um opsomaníaco (Predileção por determinada espécie de alimento). Preciso de um médico, preciso mudar. Mudar como Proteu. Proteu aparece na Odisséia como um deus do mar, pastor dos animais marinhos de seu pai, Poseidon. Possuía o dom da metamorfose e podia se transformar no que desejasse: leão, serpente, pantera, javali, água, árvore... Na Mesopotâmia não existia um Proteu, mas já se acreditava na metamorfose, em pessoas poderem assumir formas diferentes da humana. Em Proteu, muitos vêem o símbolo do oportunismo, a política é o paraíso dos proteus, mas vejo nele o símbolo da liberdade: Permite que a mulher de 60 anos apareça vestida de oncinha com um piercing no umbigo. Na vida não há os que amam ser leões; os que escolhem ser hienas; os que imitam os javalis, avôs dos porcos; os que se metamorfoseiam para fugir às responsabilidades ou para sobreviver? Hipócrita, por que criticas o piercing dos 60 anos se tens sido javali a vida inteira? Saltemos da Grécia antiga para São João de Meriti, Avenida N. Sa. Das Graças que já não é a mesma sem o camelô “Vai Envelope”. Seu nome? Proteu da Silva, camelô de envelopes para carta. É que na Baixada Fluminense tem de tudo: chinês, sírio, turco, árabe, grego, italiano, judeu... E foi numa dessas misturas de grego com nordestino que veio à luz, Proteu da Silva. Sentava pela manhã no seu caixote de feira e começava o pregão: “Vai envelope?”. Voz de locutor FM. Quando os compradores ouviam “Vai Envelope?”, respondiam: “Vai!”, mas no tempo de a internet bebê. Hoje, achar desses envelopes nas bancas é um milagre e o camelô (Vai envelope?) sumiu, mas na vida há outros proteus. A política é o paraíso dos proteus. Querendo o voto, se você é Vasco ele é Vasco, se é tricolor, diz ele: “Sou tricolor”. Proteu se transforma em árvore, lembram? Pois bem, aqui certos proteus se transformam apenas em soja e cana-de-açúcar. O resto que se dane de fome. Na crise aérea Proteu se transformou num controlador de vôo, parecia do lado deles, talvez resquício sindical, mas depois se metamorfoseou para o lado de lá e aumentando o tom chamou Proteu Jobim. Outro Proteu na literatura, deus das maldades, é Brás Cubas. Aprontou muito em suas “Memórias Póstumas...”: “quebrei a cabeça da escrava”. Agora aprontou de novo, metamorfoseando-se em Pitboy, espancando uma empregada doméstica. Até quando um Brás Cubas será filhinho se ele mesmo diz-se diabo? Até as mães andam se metamorfoseando. Já existe mãe pegando o filho pela mão, levando-o até o tráfico para ver se não há uma vaga e a resposta é: “aguarde na fila!” Um filho por um prato de lentilhas. Aonde chegaremos? Bem, mãe é mãe e só existe Jacó porque existe Esaú, disse o Mestre Literatura, e até aqui é ordinário, extraordinário é que agora para cada Jacó há milhares de Esaús, disputando um único prato de lentilhas. E os Jacós estão aí: Jacó vereador, Jacó senador, Jacó traficante... Que não podendo atender os muitos Esaús, respondem: “aguarde na fila”. O assunto (perdoe-me os vês) era para ser um leve envelope vazio, sem o peso do selo, da tinta da caneta, sem o peso do perfume das mãos cremosas das atendentes dos correios e da tristeza do camelô “Vai envelope” quando viu seu negócio desvanecer, entretanto, para falar de Proteu nesta crônica o acorrentamos. Vejam nesse texto ele já se transformou em soja, cana-de-açúcar, chefe de Estado, mãe... Ora vai à esquerda, ora à direita. É metamorfose pura, mas o Proteu de outrora assumia uma forma de cada vez, um Proteu sucessivo, já os de agora são Proteus simultâneos como o cidadão do meu município, ao mesmo tempo presidente do Sindicato dos Servidores Públicos e subsecretário de Fazenda do prefeito. É uma surpresa. Surpresa também é na pirâmide social a classe média que sempre foi o Proteu da história, ora assomando, parecendo com os ricos, ora sendo abatida ao nível do cortador de cana, parecendo com os pobres, estar isolada. Sozinha. Não tem como antes, usar a classe pobre como massa de manobra para erguer-se até à riqueza e depois abandoná-la porque Proteu Lula imunizou os pobres com o Bolsa Família. Na história desse país isso nunca ocorreu. É uma inovação. Por falar em surpresa, andando por entre quinquilharias, antiguidades e raridades da feira da Praça XV, em meios aos muitos pregões ouvi uma voz, agora com a voz enrugada, voz também envelhece: “Vai viagra?” Sim. Era Proteu, sem envelopes, sentado não mais no caixote, mas num banco envernizado e que em dias de sol vendia viagra e nos dias nublados vendia guarda-chuvas. O camelô é um Proteu urbano. No fundo todos somos proteus. Quem nunca ficou um bravo leão ou astuto como serpente? E o exemplo aqui não vem de cima, vem de baixo: se em ti mataram o advogado, ressurja escritor; se em ti mataram a mãe, ressurja mulher... Lutar para a vida não perder tanto para a morte com a metamorfose deixando de ser um dom para ser um trabalho como o é a poesia: 1% é inspiração e 99, suor do teu rosto. E quando forem te procurar numa cova não encontrarão porque já ressuscitaste num corpo de glória. “Vai envelope”? Vai viagr...
sábado, 3 de novembro de 2007
O DOM DA METAMORFOSE
Esta é a 4ª ou 5ª vez que me alimento de lula. O chinês com quem trabalhei dizia ser bom para o cérebro, mas estou com isso me tornando um opsomaníaco (Predileção por determinada espécie de alimento). Preciso de um médico, preciso mudar. Mudar como Proteu. Proteu aparece na Odisséia como um deus do mar, pastor dos animais marinhos de seu pai, Poseidon. Possuía o dom da metamorfose e podia se transformar no que desejasse: leão, serpente, pantera, javali, água, árvore... Na Mesopotâmia não existia um Proteu, mas já se acreditava na metamorfose, em pessoas poderem assumir formas diferentes da humana. Em Proteu, muitos vêem o símbolo do oportunismo, a política é o paraíso dos proteus, mas vejo nele o símbolo da liberdade: Permite que a mulher de 60 anos apareça vestida de oncinha com um piercing no umbigo. Na vida não há os que amam ser leões; os que escolhem ser hienas; os que imitam os javalis, avôs dos porcos; os que se metamorfoseiam para fugir às responsabilidades ou para sobreviver? Hipócrita, por que criticas o piercing dos 60 anos se tens sido javali a vida inteira? Saltemos da Grécia antiga para São João de Meriti, Avenida N. Sa. Das Graças que já não é a mesma sem o camelô “Vai Envelope”. Seu nome? Proteu da Silva, camelô de envelopes para carta. É que na Baixada Fluminense tem de tudo: chinês, sírio, turco, árabe, grego, italiano, judeu... E foi numa dessas misturas de grego com nordestino que veio à luz, Proteu da Silva. Sentava pela manhã no seu caixote de feira e começava o pregão: “Vai envelope?”. Voz de locutor FM. Quando os compradores ouviam “Vai Envelope?”, respondiam: “Vai!”, mas no tempo de a internet bebê. Hoje, achar desses envelopes nas bancas é um milagre e o camelô (Vai envelope?) sumiu, mas na vida há outros proteus. A política é o paraíso dos proteus. Querendo o voto, se você é Vasco ele é Vasco, se é tricolor, diz ele: “Sou tricolor”. Proteu se transforma em árvore, lembram? Pois bem, aqui certos proteus se transformam apenas em soja e cana-de-açúcar. O resto que se dane de fome. Na crise aérea Proteu se transformou num controlador de vôo, parecia do lado deles, talvez resquício sindical, mas depois se metamorfoseou para o lado de lá e aumentando o tom chamou Proteu Jobim. Outro Proteu na literatura, deus das maldades, é Brás Cubas. Aprontou muito em suas “Memórias Póstumas...”: “quebrei a cabeça da escrava”. Agora aprontou de novo, metamorfoseando-se em Pitboy, espancando uma empregada doméstica. Até quando um Brás Cubas será filhinho se ele mesmo diz-se diabo? Até as mães andam se metamorfoseando. Já existe mãe pegando o filho pela mão, levando-o até o tráfico para ver se não há uma vaga e a resposta é: “aguarde na fila!” Um filho por um prato de lentilhas. Aonde chegaremos? Bem, mãe é mãe e só existe Jacó porque existe Esaú, disse o Mestre Literatura, e até aqui é ordinário, extraordinário é que agora para cada Jacó há milhares de Esaús, disputando um único prato de lentilhas. E os Jacós estão aí: Jacó vereador, Jacó senador, Jacó traficante... Que não podendo atender os muitos Esaús, respondem: “aguarde na fila”. O assunto (perdoe-me os vês) era para ser um leve envelope vazio, sem o peso do selo, da tinta da caneta, sem o peso do perfume das mãos cremosas das atendentes dos correios e da tristeza do camelô “Vai envelope” quando viu seu negócio desvanecer, entretanto, para falar de Proteu nesta crônica o acorrentamos. Vejam nesse texto ele já se transformou em soja, cana-de-açúcar, chefe de Estado, mãe... Ora vai à esquerda, ora à direita. É metamorfose pura, mas o Proteu de outrora assumia uma forma de cada vez, um Proteu sucessivo, já os de agora são Proteus simultâneos como o cidadão do meu município, ao mesmo tempo presidente do Sindicato dos Servidores Públicos e subsecretário de Fazenda do prefeito. É uma surpresa. Surpresa também é na pirâmide social a classe média que sempre foi o Proteu da história, ora assomando, parecendo com os ricos, ora sendo abatida ao nível do cortador de cana, parecendo com os pobres, estar isolada. Sozinha. Não tem como antes, usar a classe pobre como massa de manobra para erguer-se até à riqueza e depois abandoná-la porque Proteu Lula imunizou os pobres com o Bolsa Família. Na história desse país isso nunca ocorreu. É uma inovação. Por falar em surpresa, andando por entre quinquilharias, antiguidades e raridades da feira da Praça XV, em meios aos muitos pregões ouvi uma voz, agora com a voz enrugada, voz também envelhece: “Vai viagra?” Sim. Era Proteu, sem envelopes, sentado não mais no caixote, mas num banco envernizado e que em dias de sol vendia viagra e nos dias nublados vendia guarda-chuvas. O camelô é um Proteu urbano. No fundo todos somos proteus. Quem nunca ficou um bravo leão ou astuto como serpente? E o exemplo aqui não vem de cima, vem de baixo: se em ti mataram o advogado, ressurja escritor; se em ti mataram a mãe, ressurja mulher... Lutar para a vida não perder tanto para a morte com a metamorfose deixando de ser um dom para ser um trabalho como o é a poesia: 1% é inspiração e 99, suor do teu rosto. E quando forem te procurar numa cova não encontrarão porque já ressuscitaste num corpo de glória. “Vai envelope”? Vai viagr...
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